Título: De luto, Cristina muda a cara do governo e ganha popularidade
Autor: Rittner, Daniel
Fonte: Valor Econômico, 02/12/2010, Especial, p. A18

Pouco mais de um mês após a morte repentina de Néstor Kirchner, o estilo de governar da presidente e viúva Cristina Kirchner dá sinais de mudança, embora o panorama político continue incerto e ela não tenha oferecido nenhuma pista sobre sua intenção - ou não - de tentar a reeleição, em outubro de 2011.

Conforme definiu o sociólogo Manuel Mora y Araújo, reitor da Universidade Torcuato di Tella, "atualmente há mais clareza no plano administrativo do que no plano político". O certo é que a desaparecimento de Kirchner, em 27 de outubro, fez Cristina alcançar seus níveis mais altos de popularidade em toda a gestão. Uma pesquisa da consultoria Graciela Romer & Associados indica que 53,8% dos entrevistados têm avaliação positiva da presidente, uma alta de 24 pontos percentuais sobre o nível registrado apenas dois meses antes e levando-a de volta à popularidade do início do mandato.

Ministros e parlamentares próximos de Cristina já defenderam publicamente sua candidatura, mas ela teria recebido um apelo da filha Florencia, de 20 anos, para não concorrer e ter uma vida mais tranquila. Florencia não retornou ao curso de cinema que faz na New York Film Academy. Instalou-se em Olivos, a residência presidencial, e deverá acompanhar a mãe na viagem oficial que ela fará ao Oriente Médio, em janeiro. O filho mais velho do casal, Máximo, continua vivendo na Patagônia e cuidando dos negócios familiares.

Desde a perda do marido, a presidente só aparece em público vestindo preto. Depois dos primeiros dias de luto, tem mantido a prática de fazer pelo menos um discurso por dia, nos quais tornaram-se frequentes as menções a "ele". "Sei que ele está entre vocês", disse Cristina a dezenas de operárias de uma montadora em Córdoba, ao discursar emocionada e sob aplausos, pela primeira vez após a morte de Kirchner. Mas os curiosos já observaram: desde então, não houve uma única palavra em público contra o Grupo Clarín, inimigo preferido do casal.

"Cristina tem mais vocação para o diálogo", afirmou, nesta semana, o deputado Francisco de Narváez, um dos líderes do peronismo dissidente. Muitos analistas duvidam que, na presença de Kirchner, a presidente tivesse podido avançar em duas iniciativas: o aval ao FMI para elaborar um novo índice nacional de inflação e o apelo por um "pacto social" entre governo, empresários e sindicatos para conter os aumentos de preços.

A oposição selou o fim da trégua a Cristina com sua recusa a votar o Orçamento proposto pelo governo para 2011, por divergências nos números usados para a inflação e o crescimento do PIB. Os críticos a acusam de liberar recursos para aplicações discricionárias. Mas ninguém encontrou o tom certo de enfrentar a presidente, que parece ter feito as pazes com a população. "Nós [da oposição] parecíamos maiores quando enfrentávamos Kirchner. Agora ocupamos parte do nosso tempo em brigas, pequenezas e curto-circuitos", desabafou o deputado Federico Pinedo, líder do PRO (centro-direita). (DR)