Título: Mesmo com manobras contábeis,governo não alcança meta de superávit
Autor: Andrade , Renato
Fonte: Valor Econômico, 01/12/2010, Economia, p. B1

Apesar das manobras contábeis promovidas pelo governo, que inflaram o resultado primário das contas públicas em quase R$ 35 bilhões este ano, o esforço fiscal feito pela União, Estados, municípios e estatais nos últimos 12 meses ainda está abaixo da meta fixada para 2010. Mesmo excluindo as empresas do grupo Eletrobrás da conta, o que reduziu a meta de economia para pagamento de juros (superávit primário) para 3,1% do Produto Interno Bruto (PIB), o setor público conseguiu acumular de novembro do ano passado até outubro deste ano um superávit de 2,85% do PIB, o equivalente a R$ 99,1 bilhões.

A diferença para alcançar a meta anual é pequena, mas o Banco Central (BC) reconhece que será necessário um esforço adicional até dezembro para garantir esse objetivo. "Ainda tem alguma coisa aí para ser feita até o fim do ano", disse ontem Altamir Lopes, chefe do Departamento Econômico (Depec) do BC, ao divulgar os resultados das contas públicas em outubro. Sem disposição para cortar gastos durante o ano eleitoral, o governo lançou mão de medidas que contribuíram para engordar o superávit primário em 2010. A operação mais vistosa envolveu a capitalização da Petrobrás, que gerou um reforço de caixa de R$ 31,9 bilhões em setembro.

A União também garantiu outros R$ 1,4 bilhão com a venda de créditos que tinha na Eletrobrás para o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e mais R$ 958,5 milhões com o pagamento antecipado, pela Caixa Econômica Federal, de dividendos ao Tesouro.

A retirada da Eletrobrás também facilita o cumprimento da meta porque elimina a necessidade do Tesouro compensar o mau desempenho fiscal da estatal, que precisava fazer um superávit primário de 0,2% do PIB este ano, mas acumulava nos últimos 12 meses até setembro um déficit de 0,03%.

Realidade. Sem essas manobras - consideradas legítimas pela equipe econômica, mas vistas com desconfiança por economistas e analistas de mercado - a situação fiscal estaria ainda mais complicada. O superávit primário acumulado nos últimos 12 meses poderia estar, em valores nominais, 35% abaixo do apurado e longe do objetivo fixado em lei para o ano, mesmo considerando-se a possibilidade de se descontar da meta fiscal os investimentos realizados pelo PAC.

Para Altamir Lopes, o ritmo de atividade da economia no fim deste ano permite apostar que o resultado fiscal de novembro e dezembro será melhor do que o registrado no mesmo período de 2009. "Com a arrecadação em aceleração, dado o nível de atividade, o que se espera é a geração de resultados (fiscais) melhores do que aqueles do final do ano passado, em convergência com a meta", disse.

O resultado primário de dezembro, entretanto é tradicionalmente deficitário. Isso porque no último mês do ano o governo tem que arcar com um aumento das despesas, por conta do pagamento do 13.º salário e férias do funcionalismo. "Durante o mandato de Lula houve apenas um ano em que observamos um superávit mensal em dezembro, em 2009, quando alguns truques foram usados para impulsionar o lado das receitas", observou Jankiel Santos, economista-chefe do BES Investimento.

Déficit nominal. Os dados de outubro, mês em que o governo não adotou nenhum tipo de "contabilidade criativa" para inflar os resultados, ilustram bem a situação difícil em que se encontram as contas públicas.

O superávit primário registrado foi R$ 9,7 bilhões, o pior para meses de outubro desde 2005, de acordo com o levantamento do Banco Central.