Título: Sonhos e reivindicações se misturam no Cantagalo e Pavão-Pavãozinho
Autor: Santos, Chico ; Moura, Paola de
Fonte: Valor Econômico, 03/12/2010, Brasil, p. A4

A escadaria com um enorme lixão ao lado, que manchava a imagem de um pedaço de uma das ruas mais charmosas de Ipanema, a Barão da Torre, foi substituída por uma bela estação de elevadores com piso de granito. A torre de 64 metros de altura aos poucos vai desvendando a paisagem com vista para o mar de Ipanema. Na lateral, o que se vê é o amplo espelho d"agua da Lagoa Rodrigo de Freitas. Mas o que mais impressiona os turistas fica do lado oposto: um amontoado enorme de casebres, a maioria inacabados, morro acima.

Quem mora nas favelas que formam o complexo de Cantagalo e Pavão-Pavãozinho, como o comerciante Vitor Napoleano, de 26 anos, sonha com dias melhores. Recém-demitido, ele pegou o dinheiro do FGTS e resolveu ampliar o pequeno bar que era da mãe. Em uma janela vendia bebidas e refrigerantes. Agora vai se tornar dono de um bar com cerca de 20 metros quadrados com vista para a Lagoa. " Vou inaugurar no sábado (amanhã). Vão vir até uns artistas. O Lázaro Ramos é parceiro", diz ele.

Estrategicamente localizado, logo na primeira curva após a passarela que liga o elevador à comunidade, Vitor elogia as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), que estão completando um ano este mês. O comerciante também foi beneficiado com a retirada do lixão. No entanto, reclama do abandono dos órgãos públicos. "Eles tiraram nossos garis comunitários. A gente até limpa em frente à nossa entrada, mas não dá para limpar a comunidade inteira, que é cheia de crianças", reclama.

Entre as vielas ainda é possível ver muito abandono. Na região conhecida como Terreirão, boca de fumo e um dos principais redutos dos traficantes no passado, não há nenhum sinal de melhorias. Pelos menos quatro casas que eram do tráfico foram destruídas pela polícia e agora estão virando depósito de lixo. E um novo lixão está nascendo na encosta ao lado do campo de futebol.

Lá estão sentadas, no meio da tarde de uma quarta-feira, Miriam Santana, de 21 anos, e Ana Paula da Silva Menezes, de 20. A mais velha, já tem três filhos: um de sete, um de três, e um bebê de quatro anos. As duas reclamam da falta, no morro, de cursos de profissionalização. Sem emprego, dizem que não há escolas ou oportunidades na comunidade. "Hoje não podemos fazer nada. Aqui está tudo destruído e tem até esse lixão. Não temos ânimo", diz Ana Paula.

Antes da UPP, os morros do Cantagalo e Pavão-Pavãozinho já recebiam investimentos do PAC, com obras de infraestrutura, rede de esgoto e de água potável, entre outros. Do outro lado da favela foram construídos dois edifícios para moradores removidos de antigas casas. Lá, o clima já é de mais felicidade e pouca reclamação. Maria da Conceição Sabino Lins, de 52 anos, ganhou um dos apartamentos, de 32 metros quadrados, com sala, dois quartos. Ela morava num prédio de cinco andares ocupado por 28 famílias, ao lado da nova moradia. "Lá tinha de tudo, não gosto nem de lembrar. Hoje, vivo numa mansão." Ao todo 120 famílias foram transferidas para os dois blocos. Mas nem todas se mudaram. Algumas já alugam informalmente os apartamentos que têm vista para o mar por R$ 500.

Foi no prédio antigo que Maria da Conceição criou parte de seus seis filhos. "Nenhum se envolveu com o tráfico", faz questão de afirmar. "Tudo melhorou, agora tenho espaço e conforto", elogia. Ela zela pela nova moradia. Foi eleita síndica do bloco B e já fez uma série de reivindicações à Secretaria de Obras, como cercar o prédio para evitar a entrada de estranhos e também de cachorros. Segundo a secretaria, está sendo feito um estudo para que, na próxima fase de obras, algumas das reivindicações sejam atendidas.

Apesar das melhorias, vários moradores dizem que o tráfico continua no morro e que a noite, por falta de iluminação pública, é difícil e perigoso circular pela favela. O capitão Leonardo Nogueira, que comanda a UPP, reconhece que ainda há tráfico na comunidade. "No mês passado, fizemos 19 flagrantes de tráfico, com todos presos. O número é maior de que muito batalhão da cidade. Hoje, a droga apreendida está num volume menor, porque o traficante tenta se adaptar para se enquadrar como usuário, levando poucos papelotes [de cocaína]. Mas a gente sabe diferenciar", explica.

Para o capitão Nogueira, o maior problema ainda está no grande número de usuários dentro da comunidade. "O usuário é um doente e tem que ser tratado. Bom seria se tivéssemos um hospital ou clínica para tratá-los aqui mesmo. Há muito cracudos [usuários de crack] e tentamos fazer um trabalho para que as crianças menores não experimentem as drogas." O próprio capitão, junto com dois policiais, oferece cursos de música na comunidade: percussão, violão, teclado e bateria.

"Dou aula todas quartas e sextas. Não somos músicos, mas como a comunidade não tinha esse espaço, incentivamos as crianças a começar e ter uma ocupação", diz. O capitão Nogueira reconhece que o trabalho também tem o objetivo de desmistificar os PMs e aproximá-los dos moradores. No fim do ano, o PM pretende fazer uma apresentação de seus alunos na quadra da favela para comemorar o aniversário da UPP. (PM)