Título: Com Patriota, Itamaraty manterá prestígio
Autor: Lyra, Paulo de Tarso
Fonte: Valor Econômico, 03/12/2010, Politica, p. A11

A opção pelo embaixador Antônio Patriota para chefiar o ministério de Relações Exteriores revela pelo menos duas decisões da presidente eleita, Dilma Rousseff: o Itamaraty terá prestígio no novo governo, já que se manteve a prática do governo Luiz Inácio Lula da Silva de nomear diplomatas de carreira para os postos-chave do ministério; e a política terá preponderância sobre a economia: o novo ministro escolhido acredita que a ação da diplomacia deve ser pautada por critérios mais amplos que os interesses comerciais. Se confirmada a manutenção do assessor internacional Marco Aurélio Garcia no Palácio do Planalto, é provável que, com Patriota no Itamaraty, aumente a influência da Presidência - e do próprio Marco Aurélio Garcia - nos rumos da política externa. Patriota, um diplomata discreto e disciplinado, marcou a carreira mais como um eficiente executor das grandes diretrizes da diplomacia do que como um agressivo formulador de estratégias para ampliação do papel do país no cenário internacional, como foi o atual ministro, Celso Amorim.

Patriota não é, porém, apenas um executor. Na embaixada de Washington, posto que ocupava antes de ser nomeado secretário-geral do Itamaraty, participou ativamente dos esforços para aproximar os governos Lula e George Bush. Sua maior experiência e principal interesse são os assuntos relacionados às Nações Unidas. As reflexões de Patriota sobre o papel do Conselho de Segurança, um de seus temas favoritos, foram assunto da tese apresentada por ele no Centro de Altos Estudos do Instituto Rio Branco, "O Conselho de Segurança após a Guerra do Golfo: a articulação de um novo paradigma de segurança coletiva".

O interesse do futuro ministro de Relações Exteriores pelo Conselho de Segurança não é meramente teórico, e sua nomeação certamente manterá o tema na agenda de prioridades do governo. Ele é, no Itamaraty, um dos principais defensores da campanha movida por Lula e Amorim reivindicando um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. Ex-colaborador de Amorim na representação brasileira nas Nações Unidas, Patriota endossa os argumentos do atual ministro, de que é preciso garantir lugar para o Brasil no único órgão internacional com poder de autorizar ou rejeitar a intervenção de forças armadas estrangeiras em Estados soberanos.

A promoção de Patriota, que já é, como secretário-geral, o segundo homem no comando do Itamaraty, também reforça os planos de reaproximação entre as cúpulas dos governos brasileiro e americano. Mesmo após ter deixado a embaixada em Washington, Patriota manteve contatos frequentes com o subsecretário de Estado para Assuntos Políticos dos EUA, Nicholas Burns, o terceiro homem mais influente na diplomacia americana. Na capital americana, Patriota fez amizade também com o atual embaixador dos EUA no Brasil, Thomas Shannon, ex-subsecretário de Estado para o hemisfério Ocidental, um dos diplomatas americanos de maior trânsito na região, com quem o futuro ministro colaborou em negociações para lidar com crises recentes envolvendo os membros da Organização dos Estados Americanos (OEA).

Patriota tem experiência também em lidar com assuntos econômicos e comerciais. Seguiu Celso Amorim na representação do Brasil em Genebra, onde o hoje ministro participou das negociações que resultaram na criação da Organização Mundial do Comércio. Mas o futuro ministro costuma usar os exemplos econômicos para reforçar sua defesa de maior atuação política do Brasil nos assuntos políticos internacionais. Assim como recentemente os países emergentes conquistaram maior poder de voto no Fundo Monetário Internacional e ampliaram o grupo dos países mais influentes economicamente, que passou de G-7 a G-20, a aceitação de país como o Brasil como membro permanente do Conselho d e Segurança é questão de tempo, acredita.

Auxiliar próximo e amigo de Amorim, Patriota compartilha com o atual ministro também o entusiasmo pela abertura de novas embaixadas no exterior, em continentes antes relegados como a África. Costuma citar a expansão das representações diplomáticas no mundo e a assiduidade do Brasil entre os membros não-permanentes do Conselho de Segurança como indícios da necessidade de maior atuação política do país nos mecanismos decisórios internacionais.

Em entrevista recente, Patriota previu que a discussão sobre a ampliação do Conselho de Segurança seria um dos principais temas de discussão na política externa em 2011. A tese que garantiu a promoção do diplomata a ministro de segunda classe no Itamaraty, no começo dos anos 90, editada em livro pelo Fundação Alexandre Gusmão, com 226 páginas, reconta a história do Conselho de Segurança, onde o Brasil, nos anos 40, teve negado pela União Soviética e pelo Reino Unido o direito a um assento permanente. Patriota analisa casos na África e nos Bálcãs, comenta os desdobramentos e fracassos das ações do Conselho de Segurança e chama a atenção sobre como intervenções das Nações Unidas questões humanitárias podem servir para encobrir interesses geopolíticos de governos.

Citando o respeitado diplomata João Clemente Baena Soares, Patriota repete argumentos também usados recentemente pela diplomacia nas discussões relativas à ação internacional em momentos onde há uma zona cinzenta entre a autorização para ações armadas e a necessidade de missões de paz, como casos de desrespeito aos direitos humanos em membros das Nações Unidas: as intervenções do Conselho de Segurança sobre assuntos internos dos países devem, de preferência, buscar a cooperação dos países afetados, e adotar "medidas coercitivas" somente nos casos extremos, sugere Patriota.