Título: Quatro Estados ainda gastam menos de 12% das receitas em saúde
Autor: Máximo, Luciano
Fonte: Valor Econômico, 06/12/2010, Brasil, p. A6
Pelo menos quatro Estados brasileiros gastam menos em saúde do que manda a lei. Em meio às recentes discussões sobre a necessidade de aumentar os recursos para o setor, Rio Grande do Sul, Paraná, Espírito Santo e Mato Grosso descumprem a Emenda Constitucional 29, de acordo com interpretação do Ministério da Saúde. A EC-29 obriga a aplicação de no mínimo 12% da arrecadação de impostos em ações e serviços públicos de saúde.
De acordo com levantamento feito pelo Valor com base nos dados mais atualizados (2009) do Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Saúde (Siops), o Paraná gastou R$ 1,216 bilhão em saúde, valor que representa 9,7% dos R$ 12,4 bilhões arrecadados. O desempenho do Rio Grande do Sul é ainda pior: as despesas em saúde ficaram em R$ 1,050 bilhão, apenas 7,2% dos R$ 14,5 bilhões da receita tributária gaúcha. Espírito Santo (11,8%) e Mato Grosso (11,6%) estão mais próximos do mínimo constitucional de 12%, mas seus gastos ainda são insuficientes.
Os Estados em situação irregular contestam os números do Siops, que é um sistema de monitoramento do governo federal que analisa os gastos a partir de declarações das próprias Secretarias de Saúde. Entre os argumentos, os governos incluem no orçamento da saúde despesas com pagamento de planos médicos privados para servidores públicos, saneamento, alimentação, assistência social e ainda lançam mão de manobras contábeis.
Além disso, uma justificativa "poderosa" é a falta de regulamentação da EC-29, diz Francisco Batista Júnior, presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS). Aprovada em 2000, a emenda constitucional ainda não foi regulamentada, o que gera desentendimento quanto ao cumprimento do item que trata da destinação de recursos para ações e serviços públicos de saúde. "Desmatamento, limpeza de praia, alimentação. Tudo que nos cerca tem relação com saúde. Mas ação de saúde pública é diferente e aqueles que burlam a lei sabem muito bem disso. A questão da interpretação nos deixou refém da regulamentação da EC-29, o que impede, inclusive, a Justiça de punir os Estados fora da lei", reconhece Batista Júnior.
O secretário de Saúde do Paraná, Carlos Moreira Júnior, explica que o Paraná só está abaixo dos 12% exigidos pela Emenda Constitucional 29 porque o Siops não considera como despesa de saúde os R$ 200 milhões destinados à distribuição de leite para famílias pobres e ao custeio de planos de saúde para os servidores públicos do Estado. "Embora não seja entendido como gasto em saúde, a distribuição de leite ajuda a reduzir problemas nutricionais", argumenta. "Já os planos de saúde poderiam estar na Secretaria de Administração, mas isso não significa que os R$ 110 milhões ficariam na nossa pasta. O orçamento é finito, estava pronto quando assumi e só poderá ser mudado no próximo governo, mas é muito difícil", argumenta Moreira Júnior.
Em nota, a Secretaria Estadual de Saúde do Rio Grande do Sul informou que avaliação do Tribunal de Contas do Estado aprovou os gastos do governo. "O desembolso com saúde ficou em 13,1% da receita líquida de impostos e transferências em 2009 e a projeção é de que fique em 12,7% em 2010", aponta a nota. Adriana Limberger, secretária-executiva do Conselho Estadual de Saúde, rebate: "A governadora [Yeda Crusius, do PSDB] esquece de dizer que essa conta só fecha porque os investimentos em saneamento básico são lançados na área da saúde."
O secretário de Saúde do Mato Grosso, Augusto Amaral, afirma que o balanço do Siops considera a arrecadação de imposto de renda retido na fonte (IRRF), multas e juros de mora da Lei Kandir, que foi retirada do cálculo da receita total pelo governo estadual. "Para essa exclusão estamos amparados em um acórdão do Tribunal de Contas do Estado, de 2004", justificou Amaral.
No caso do Espírito Santo, a Secretaria Estadual de Saúde diz que o Siops distorce a análise da receita do Fundo de Desenvolvimento das Atividades Portuárias (Fundap). "A base de cálculo que o governo adota como princípio legal é o recurso efetivamente disponível, pois é o valor real para custear as despesas e investimentos públicos", respondeu a pasta, em nota oficial.
A última nota técnica da equipe responsável pelo Siops refuta os argumentos dos governos estaduais. "Os balanços gerais não têm uniformidade. Alguns entes não apresentam suficiente detalhamento de gastos por função, principalmente na função 10, Saúde." Francisco Batista Júnior, do CNS, desconfia que o número de Estados que não aplicam os 12% previstos na Constituição pode subir quando os orçamentos de saúde de 2009 passarem pela auditoria técnica do Siops. "Há diferença entre a informação inicial disponível no Siops e a informação auditada."