Título: Presidente eleita diz que vai mudar política para o Irã
Autor: Junqueira, Caio ; Lyra, Paulo de Tarso
Fonte: Valor Econômico, 06/12/2010, Politica, p. A10

A presidente eleita Dilma Rousseff deu clara sinalização de que a política externa brasileira em relação ao Irã deve mudar. Indagada, durante entrevista publicada na última sexta-feira pelo Washington Post, se sua experiência como prisioneira política lhe daria mais sensibilidade ao tema dos direitos humanos no Irã, Dilma respondeu: "Não endosso o apedrejamento. Não concordo com práticas que tenham características medievais contra as mulheres. Não há nuances. Não vou fazer nenhuma concessão nessa matéria". A entrevista foi feita pela editora Lally Weymouth, filha de Katherine Graham, publisher do "Post" durante três décadas. E foi a primeira concedida a um jornal desde sua eleição.

Indagada sobre a abstenção brasileira na recente resolução das Nações Unidas sobre direitos humanos, foi clara sobre sua posição no tema: "Não sou presidente do Brasil, mas me sentiria desconfortável como presidente eleita em não dizer nada contra o apedrejamento. Minha posição não vai mudar quando eu assumir. Não concordo com a posição brasileira. Não é a minha posição".

Dilma disse não ter aceito convite do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, para fazer uma visita ao país antes da posse por conta da montagem de governo. Afirmou, no entanto, que planeja esta visita para os primeiros dias de sua presidência e que Obama, durante o G-20, já havia sido convidado, informalmente, para vir ao Brasil.

A presidente eleita elogiou Obama comparando a importância de uma mulher na Presidência do Brasil ao ineditismo da eleição de um negro presidente dos Estados Unidos. E disse esperar parcerias com os Estados Unidos em políticas para o desenvolvimento do continente africano.

Dilma, no entanto, não poupou a política de sobrevalorização do dólar que disse não ser compatível com o fato de que a moeda serve de reserva internacional. "Desvalorizações sistemáticas podem levar a reações de protecionismo que nunca são uma boa política a seguir", disse.

A presidente eleita disse ao jornal americano que não há hipótese de a política econômica do governo Luiz Inácio Lula da Silva sofrer guinada. E expôs o caminho a ser buscado pelo país para fazer convergir a taxa de juros nacional a padrões internacionais: "Não há meio de se cortar juros sem reduzir o déficit fiscal. Também temos que melhorar a competitividade de nossa indústria e do agronegócio, além de racionalizar o sistema tributário".

Reiterou ainda sua disposição de reduzir a dívida pública para 30% do PIB (hoje é 42%), racionalizar os gastos do governo sem que isso comprometa o crescimento do país.

Indagada se seu governo seria diferente do de Lula, Dilma respondeu que sim: "Não vou repetir seu governo porque a situação do país hoje está muito melhor do que em 2002. Meus desafios hoje são outros. Tenho que resolver problemas como a qualidade da saúde pública e o da infraestrutura. O governo Lula começou a mudar a situação de estagnação em que se encontravam os investimentos do setor, mas agora tenho que resolver a questão das estradas, das ferrovias, dos portos e aeroportos".

Indagada se pretendia usar recursos do pré-sal para reverter o gargalo da infraestrutura, a presidente eleita disse que o Fundo Social (aprovado pelo Congresso na semana passada) vai investir em educação, saúde, ciência e tecnologia. E que o maior desafio de seu governo é o de acabar com a pobreza absoluta de 14 milhões de brasileiros.

A entrevistadora lhe disse que todos os empresários com quem se encontrara em São Paulo lhe disseram que precisariam se preparar para um encontro com a presidente porque ela seria muito familiarizada com a maior parte dos grandes projetos empresariais do país. Ao que Dilma respondeu: "Sim, é verdade. É uma característica feminina. Adoramos o detalhe. Eles não".