Título: Europa tem lições para aprender com a AL
Autor: Davis, Bob
Fonte: Valor Econômico, 06/12/2010, Internacional, p. A13

A América Latina enfrentou mais crises financeiras do que qualquer outra parte do mundo nas últimas seis décadas. A região aprendeu lições que hoje são importantes para a zona do euro, que está combatendo uma fogueira financeira descontrolada.

Embora as duas regiões tenham níveis diferentes de riqueza, existem similaridades importantes. Infortúnios financeiros em ambas as regiões saltam de país para país via comércio, finanças e psicologia de grupo. Muitos latino-americanos atrelaram suas moedas ao dólar, deixando sua política monetária nas mãos do Fed, da mesma forma que países da zona do euro abandonaram suas moedas em favor do euro e do Banco Central Europeu.

A receita tradicional de cortar gastos e reduzir programas sociais para pagar dívida, reforçada pelo Fundo Monetário Internacional, pode funcionar, mostra a experiência da América Latina. Em parte, isso acontece porque o FMI rola as dívidas para os países que fazem progressos em relação às metas de redução de custos. Na Europa, o FMI está trabalhando com um fundo europeu de socorro para criar empréstimos de resgate.

Quando os investidores tiraram dinheiro do Brasil em 1998, ameaçando quebrar o país, o FMI veio com uma série de empréstimos, dando ao país tempo suficiente para colocar seus negócios em dia, evitar o calote e estabelecer um caminho para o crescimento.

Mas a América Latina também mostra que o não pagamento de dívidas, que países da zona do euro estão lutando para evitar, pode ter grandes vantagens. "Reestruturar pode ser menos doloroso do que parece, desde que seja feito de forma limpa e rápida", diz o economista de Harvard Ricardo Hausmann, venezuelano que por muito tempo trabalhou com problemas de dívida na América Latina.

Estruturar acordos é complicado. Andrew Powell, do Banco Interamericano de Desenvolvimento, faz distinção entre moratórias "amigáveis ao mercado" e "agressivas". A Jamaica persuadiu este ano mais de 99% dos credores a aceitar juro reduzido na dívida interna do país e o adiamento dos pagamentos. Isso reduziu os pagamentos de juros anuais do governo em quase um terço, diz Powell. O FMI e outras agências deram concederam US$ 2,2 bilhões para ajudar os bancos, que tinham muita da dívida.

A desvantagem: a solução amigável ao mercado não reduziu o nível total da dívida, equivalente a 140% do PIB, porque o valor de face da dívida doméstica não foi tocado e a dívida externa não foi incluída no plano. "Isso dá tempo para fazer o ajuste, mas você ainda tem que ajustar", disse Powell.

O exemplo mais importante de uma moratória agressiva é a Argentina, que fez os investidores engolirem um corte de 70% no valor de face da dívida em 2005, e ainda há muitos que pressionam Buenos Aires para que pague mais. Desde então, a Argentina foi deixada de fora dos mercados internacionais.

O lado positivo: a carga de dívida do país encolheu em um terço após a moratória, e o país passou a crescer rapidamente. Parte disso é explicado pela alta da demanda chinesa por trigo, carne e outras commodities argentinas. Mas, em parte, é porque o crescimento econômico não foi estagnado por pesados pagamentos de dívida.

A Alemanha quer que as nações da zona do euro forcem os credores a aceitar cortes na dívida em futuras crises, embora esteja propondo um esquema financeiro que pode fazer com que isso se torne menos provável. Mas os europeus não podem desvalorizar suas moedas para ganhar vantagem competitiva, como fez a Argentina, a menos que deixem o euro.

Hausmann diz que a decisão teria consequências imprevisíveis, mas poderia reduzir a dívida externa do país. Se a Irlanda declarasse que uma libra irlandesa é igual a um euro, ela poderia converter a dívida em euros em libra irlandesa. Aí, poderia deixar o valor da libra flutuar no mercado de câmbio, diz. A desvalorização inevitável elevaria a competitividade das exportações do país, sem prejudicar a carga da dívida doméstica.

O caso do Brasil em 1995 sugere alternativa menos drástica. Naquele momento, o país foi tirado da crise quando o peso argentino se valorizou rapidamente porque estava vinculado ao dólar em alta. As exportações de produtos agrícolas brasileiros dispararam e a Argentina despencou. Inadvertidamente, a Argentina se tornou um motor econômico para o Brasil.

A Alemanha poderia ter igual na Europa se aquecer a demanda interna para absorver importações da Irlanda, Grécia, Espanha e outras nações em dificuldades. Leia nas págs. B10, B11 e B12 mais conteúdo do The Wall Street journal