Título: A especulação cambial e a covardia ao risco
Autor: Fonseca, Roberto Giannetti da
Fonte: Valor Econômico, 10/12/2010, Opinião, p. A14

O câmbio sobrevalorizado vem causando um enorme estrago na economia brasileira já faz algum tempo. As exportações se tornam mais caras em dólares e nossos importadores reclamam que nossos preços estão elevados e optam pelos produtos mais baratos dos concorrentes, principalmente asiáticos, cujas taxas de câmbio, diferentemente da nossa, permanecem estáveis em relação ao dólar. Já as importações brasileiras tornam-se cada dia mais baratas e deslocam o produto nacional do próprio mercado interno, inundando as vitrines e prateleiras das lojas e substituindo os fornecedores brasileiros na cadeia produtiva da própria indústria nacional.

Dessa forma, milhões de empregos que aqui poderiam estar sendo criados são transferidos para nossos concorrentes. Bilhões de dólares de investimento direto que poderiam estar expandindo e aprimorando nossa capacidade industrial são dirigidos aos países com os quais competimos. Os consumidores aqui e lá fora apagam a memória e o hábito de consumo do produto brasileiro. Rompem-se elos da cadeia produtiva que são difíceis de se reconstituir posteriormente. Aumenta a defasagem tecnológica de nossa indústria, gradualmente desconectada de muitos mercados no exterior. Isso basta para imaginarmos o tamanho desse prejuízo econômico a curto, médio e longo prazo.

Identificado o problema, resta saber quem é o vilão responsável por essa tragédia econômica e como eliminá-lo o quanto antes. Iludem-se aqueles que pensam que a taxa de câmbio flutuante na economia de mercado se forma principalmente por meio dos fluxos de entrada (oferta) e saída (demanda) de dólares de nossa economia. Os fluxos do mercado a vista, ou seja, da economia real são constituídos da oferta e demanda dos pagamentos de exportações, importações, operações de turismo, serviços, royalties, financiamentos, juros, dividendos etc.

Ao resultado líquido de todas essas contas dá-se o nome saldo de transações correntes que, atualmente, apresenta um déficit anual de cerca de R$ 55 bilhões no Brasil. Se dependêssemos exclusivamente desse segmento no mercado de câmbio, o real deveria se desvalorizar, ao contrário do que se observa nos últimos anos.

Ainda no mercado a vista de câmbio, deve-se somar as operações de investimento direto estrangeiro na economia brasileira, que são dirigidas ao setor produtivo, e os direcionados a títulos mobiliários de renda variável ou de renda fixa no mercado financeiro nacional, rendendo juros ao investidor externo.

É aqui que a coisa pega pois, estando os juros lá fora próximos a zero e aqui dentro ainda em níveis extremamente atrativos de dois dígitos, torna-se quase inevitável a chamada operação de arbitragem, que muitos investidores externos realizam visando a captura de um lucro entre a diferença de juros e eventualmente de taxa de câmbio entre os mercados brasileiro e internacional. A imposição de um imposto como o IOF sobre essas operações tem a virtude de reduzir essa margem de lucro e desestimular tais operações.

Mas quem disse que essas operações de arbitragem são conduzidas exclusivamente no mercado de câmbio? Registra-se atualmente que o mercado futuro de câmbio, no qual não se processa a entrada e saída física de divisas, tem um volume cinco vezes superior ao volume do mercado a vista, e é aí portanto que se formam basicamente as expectativas dominantes que ditam a taxa de câmbio de nosso dia a dia.

Nada a ver com o mundo real, mas sim com a especulação de qual será o valor de nossa moeda frente ao dólar em 30, 60, 90, ou 180 dias. A essa operação de juros e câmbio futuros o mercado dá o nome de cupom cambial, e o investidor não precisa depositar o valor do principal investido, mas apenas da margem estimada de variação do câmbio no período. Assim sendo, o depósito de, digamos, US$ 1 milhão pode gerar múltiplas vezes uma posição de compra ou de venda de dólares no mercado futuro, dependendo do prazo e das regras de cada país, pois tal operação hoje em dia pode ser feita aqui na BM&F ou lá fora em bolsas internacionais. Ou seja, quase impossível tentar controlá-las com impostos ou regras locais.

Como fazer então? Restam duas opções: reduzir a atratividade ou aumentar o risco de tal operação de arbitragem futura. A atratividade depende do diferencial de juros reais entre a economia brasileira e a economia internacional, hoje muito apetitoso e até certo ponto improvável de qualquer mudança significativa a curto prazo. Finalmente, resta-nos verificar se é possível aumentar o risco dos investidores especulativos, que hoje operam com baixíssimo risco, que é medido em tese pelo tempo de exposição da posição comprada ou vendida no mercado futuro, e da volatilidade da flutuação da moeda neste período. Mais de 90% das posições do mercado de câmbio na BM&F são de 30 e 60 dias, e os investidores fazem a rolagem a cada vencimento, mantendo sempre uma exposição de curtíssimo prazo para evitar surpresas.

Quanto à volatilidade de nossa moeda, tem sido baixa e sempre com tendência gradual de apreciação do real, frente à debilidade da economia americana na atual conjuntura econômica internacional. Dessa forma tem sido uma moleza para esses investidores especulativos manter uma posição de centenas de bilhões de dólares no mercado futuro de curtíssimo prazo, vendidos em dólares e comprados em juros sobre o real. A margem líquida do cupom cambial vai mensalmente para suas contas com reduzido risco de eventual prejuízo. Para que o risco aumente e afugente parte significativa desses especuladores, é preciso ampliar o prazo mínimo de exposição nas posições de mercado futuro, por exemplo, no mínimo 180 dias, mas, principalmente, a volatilidade da taxa de câmbio no período por meio da ação do Banco Central no mercado futuro com as operações de swap reverso. Se, numa dessas variações, o investidor perder sua margem depositada e é chamado a depositar mais margem pela sua corretora, ele vai pensar duas vezes, e provavelmente a sua covardia vai superar sua ganância.

Vamos ver se agora finalmente o Banco Central e o Ministério da Fazenda se entendem e põem fim a esta escandalosa destruição da indústria brasileira por conta desses desajustes nos mercados de câmbio e juros futuros.

Roberto Giannetti da Fonseca, empresário e economista, é diretor titular de relações internacionais e comércio exterior da Fiesp.