Título: Atraso virou regra em todas as áreas do PAC
Autor: Borges, André
Fonte: Valor Econômico, 09/12/2010, Brasil, p. A4
Estava marcada para daqui a dez dias a inauguração do trecho da Ferrovia Norte-Sul que ligará as cidades de Palmas e Ouro Verde (GO), numa viagem de 855 km. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva cortaria a fita para selar a entrega da malha. Não haverá festa. A conclusão da obra - que, se fosse cumprida, ocorreria com um ano de atraso - agora ficou para abril do ano que vem. "As chuvas atrapalharam muito, acabaram afetando o desempenho da obras", diz José Francisco das Neves, presidente da Valec, estatal responsável pela ferrovia.
As variações do clima podem até atrapalhar, mas estão longe de figurar entre os maiores responsáveis pelos atrasos que afetam boa parte das obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), como é o caso da Ferrovia Norte-Sul. Antes de chuva ou sol, é o Tribunal de Contas da União (TCU) e o Ibama que, de longe, despontam como as maiores barreiras a serem vencidas pelos gestores das obras públicas, embora a função básica - e o desejo - das duas instituições não seja exatamente interromper obras, mas fiscalizá-las.
Quando não motivadas por problemas de superfaturamento ou burocracia, as paralisações são, regularmente, resultado da má qualidade dos projetos de engenharia apresentados, defendem os ministros do TCU. Neste ano, o Tribunal recomendou a paralisação de 32 obras de infraestrutura do país, das quais 18 fazem parte do PAC. Os problemas estão em todas as áreas. A Infraero encontra dificuldades para executar as obras dos aeroportos de Goiânia (GO), Vitória (ES) e Guarulhos (SP), todas atrasadas. Do R$ 1,6 bilhão que a estatal tinha previsto para investir no setor até o fim do ano, apenas R$ 358 milhões foram de fato desembolsados entre janeiro e outubro, segundo a ONG Contas Abertas. Até setembro, aponta o Portal da Transparência, apenas 0,9% dos valores disponíveis para os contratos em aeroportos das 12 cidades que receberão a Copa do Mundo de 2014 foram executados.
No Nordeste, o cronograma das obras de transposição do rio São Francisco, projeto de R$ 6,6 bilhões anunciado em fevereiro de 2007, previa que o eixo leste de 220 km estaria pronto até o fim deste ano, como cobrava o presidente Lula, mas a expectativa é concluir a obra em junho do ano que vem.
Nas obras rodoviárias, a dificuldade em cumprir o cronograma está diretamente ligada à qualidade dos projetos. Atualmente, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), órgão vinculado ao Ministério dos Transportes, executa 1.080 contratos de obras, volume que soma investimentos de R$ 41 bilhões. Embora tenha reduzido sensivelmente o número de obras com problemas identificados pelo TCU, o Dnit enfrenta dificuldades estruturais para elaborar os estudos técnicos de cada projeto.
O atraso em determinadas obras pode, naturalmente, comprometer o desempenho daquelas que estão em ritmo acelerado. No setor de energia, o início de operação das hidrelétricas do rio Madeira, em Rondônia, depende da construção das linhas de transmissão que escoarão essa energia até o Sudeste, projetos que estão atrasados.
Na Petrobras, a preocupação se concentra na possível paralisação das obras nas refinarias Presidente Getúlio Vargas (Repar), no Paraná, e na refinaria Abreu e Lima (Rnest), em Pernambuco. O TCU encontrou problemas de sobrepreço em diversos contratos das refinarias, mas a Petrobras alega que o Tribunal não utiliza parâmetros adequados para contabilizar o preço dos projetos. O Congresso decidirá até o dia 20 se libera ou barra o investimento de R$ 5,8 bilhões previsto para as duas refinarias em 2011. Cada mês de atraso nas obras da refinaria Abreu e Lima significa R$ 215 milhões a menos no caixa. Na refinaria Getúlio Vargas, o atraso custa R$ 45 milhões por mês.