Título: Política monetária no Brasil: para onde iremos?
Autor: Tâmega, Felipe
Fonte: Valor Econômico, 09/12/2010, Opinião, p. A12

De forma bem simplista, o sistema de metas de inflação adotado pelo Brasil em 1999 estabelece que a autoridade monetária deve perseguir uma meta para um determinado índice de preços, utilizando a taxa de juros como instrumento para conseguir seus objetivos. Essa meta, por sua vez, é definida tomando como base o índice cheio de inflação ou alguma medida de núcleo, num período de 12 meses à frente ou em relação ao ano calendário. Assim, a ideia é que o Banco Central (BC) olhe para frente, com expectativas de inflação definindo uma meta intermediária.

O sistema de metas inflacionárias fornece, portanto, o pilar para que a autoridade monetária alcance seus objetivos de longo prazo. Resolvem-se assim possíveis inconsistências intertemporais já que do sistema de metas deriva uma função de reação da autoridade monetária que, em tese, seria condizente com inflação no longo prazo igual à meta. Além disso, ao seguir uma regra explícita de política monetária, o comportamento do BC torna-se previsível. Finalmente, pode-se perceber que regras do jogo claras somadas a relatórios de inflação regularmente publicados, aumentam a credibilidade do Banco Central principalmente se essa instituição dispuser de autonomia operacional para perseguir a meta de inflação.

Dessa forma, o sistema de metas de inflação se pauta pela transparência. Nesse contexto, ao reafirmar o compromisso com a meta determinada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), Alexandre Tombini, cujo nome foi aprovado para presidir o BC no governo de Dilma Roussef, sinaliza que perseguirá de maneira mais enfática a meta intermediária. Com isso, o mercado seguirá também a risca a função do Banco Central e assim antecipará mais corretamente suas ações, diminuindo a volatilidade dos mercados e, por conseguinte, da atividade econômica já que a ancoragem das expectativas facilita a previsibilidade dos agentes.

O problema é como gerenciar o sistema de metas inflacionárias no Brasil num contexto onde há forte aumento de liquidez por conta de relaxamentos monetários heterodoxos que pressionam a taxa de câmbio brasileira. Se mirarmos também a taxa de câmbio, perderemos de vista o sistema de metas.

Qual é o "problema atual" da política monetária? Por um lado, a inflação doméstica se vê pressionada pelo efeito liquidez internacional sobre as commodities (que também tem um efeito de demanda relevante) e, por outro, os índices de preços reagem ao aquecimento da demanda interna. O diferencial de crescimento, por sua vez, deteriora a conta corrente brasileira (a despeito da melhora nos termos de troca), que caminha para um déficit acima de 4% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2011. Dentro do sistema de metas inflacionárias, o Brasil deveria ter aumentado os juros, o que causaria desaceleração da economia, que seria amplificada pela apreciação cambial. Entretanto, o país tem resistido a apreciar a sua moeda.

Na tentativa de criar um câmbio artificialmente desvalorizado, o país optou por controlar capitais, via IOF, e fazer intervenções mais fortes no câmbio, via reservas. Supostamente, essa blindagem externa abriria espaço para uma política monetária doméstica independente. Nessa lógica, os juros se tornariam menos atraentes como instrumento de política monetária pois quanto maior for o diferencial entre os juros internos e os externos, maior deveria ser o controle de capitais, especialmente no contexto atual de melhora da percepção de risco relativa.

No longo prazo, contudo, essas medidas sobre o câmbio são geralmente ineficazes em segurar a moeda. Ainda seguindo a mesma lógica, e fugindo cada vez mais do escopo do sistema de metas, um aumento de compulsório poderia ser utilizado em substituição ao aperto via juros. Normalmente, esse instrumento teria caráter meramente macroprudencial e não seria visto como equivalente a um aperto de juros: ao aumentar compulsórios, o BC está também mudando a sensibilidade da política monetária via juros, ampliando assim a incerteza com relação a sua função de reação. Entretanto, no contexto de esterilização do fluxo de capitais, compulsórios são entendidos como enxugamento de liquidez oriunda do fluxo de capitais externos sem o custo Selic das reservas e como um aperto de crédito que poderia ajudar a segurar a atividade econômica e, por conseguinte, a inflação. Essa política não se assemelha muito ao sistema de metas discutido anteriormente.

Qual é o problema do câmbio então? Esse se manifesta principalmente nas contas externas. Parece mais fácil culpar o câmbio pela deterioração das contas externas. O verdadeiro vilão, porém, é sem dúvida a falta de poupança interna para financiar o forte crescimento que o Brasil tem registrado nos últimos anos. O aumento dos gastos do governo aliado a aumento dos gastos individuais privados (fruto do aumento do crédito para consumo) colocam em xeque a poupança necessária para financiar o crescimento corrente.

Assim, faz-se necessário importar poupança, via déficit externo. A "solução" do câmbio passaria então por um ajuste fiscal, mas a tentação em culpar fatores exógenos e promover uma depreciação artificial da moeda leva a uma política fiscal mais frouxa, especialmente quando há capitais abundantes para o seu financiamento. Essa é tentação que o país precisa vencer.

Do ponto de vista da condução da política monetária no Brasil, não podemos anular o sistema de metas inflacionárias. Outros países o fazem, ainda que por razões distintas. Argumentos de histerese do comércio até poderiam respaldar a política monetária recente mas, mesmo nesse caso, é necessário que se explicitem as novas regras do jogo. Uma possibilidade seria talvez a da adoção de metas de inflação com bandas cambiais, sistema já adotado em alguns países no passado. Prefiro o sistema de metas atual, com câmbio flutuante. Só não podemos ficar batendo de frente com o trilema, que define a impossibilidade da existência conjunta de taxa de câmbio controlada, liberdade de fluxo de capitais e política monetária independente.

Felipe Tâmega é economista chefe do Modal.