Título: PSB usa o pragmatismo como estratégia
Autor: Klein, Cristian
Fonte: Valor Econômico, 13/12/2010, Politica, p. A8

O partido é socialista. Tem em seu programa o compromisso com a redução da pobreza e da desigualdade social e critica a sociedade capitalista. Mas para crescer como tem crescido no competitivo mercado partidário brasileiro, o PSB não se amarra a utopia e purismos. Não foi apenas pela cor de sua ideologia que a legenda presidida pelo governador reeleito de Pernambuco, Eduardo Campos, dobrou para seis o número de Estados que irá governar, aumentou 54%, de 22 para 34 parlamentares, em oito anos, sua bancada na Câmara dos Deputados, e registrou, há dois anos, o segundo maior crescimento proporcional de prefeitos eleitos no país desde 2000.

É com pragmatismo, uma boa dose de empreendedorismo e a astúcia de se posicionar como ponte entre a situação, liderada pelo PT, e a oposição, capitaneada pelo PSDB, que o Partido Socialista Brasileiro se transformou numa bem sucedida empresa política, capaz agora de cobrar um aumento de sua participação societária no governo da presidente eleita Dilma Rousseff (PT), de dois para três ministérios.

A comparação com a economia não é despropositada. Coincidência ou não, a sigla socialista, curiosamente, tem buscado se apoiar em pontas de lança do sistema capitalista que combate, ao menos no papel. O recrutamento de líderes empresariais de grande expressão, mas sem carreira política prévia, virou especialidade da casa.

No ano passado, o PSB filiou Paulo Skaf, presidente da maior entidade patronal do país, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), para concorrer a governador nesse ano. O episódio causou polêmica pelo inusitado de um alto representante do capitalismo cerrar fileira numa legenda socialista e dizer que o "S" na sigla do partido seria apenas uma "letrinha".

Skaf, porém, não é o único empresário de renome a ser arregimentado pelo PSB para disputar eleições recentes. Outros dois presidentes de federação de indústrias foram chamados para concorrer a cargos majoritários: Mauro Mendes, da Fiemt, que perdeu a disputa a governador no Mato Grosso, e Márcio Lacerda, que até se eleger prefeito de Belo Horizonte, há dois anos, era um dos homens de frente da Fiemg.

Lançar mão de empresários é apenas um dos expedientes dentro de uma estratégia pragmática maior. Para conquistar votos e se expandir, o PSB apostou em figuras de apelo popular, mas sem qualquer conteúdo ideológico conhecido, como ex-jogadores de futebol. O meia Marcelinho Carioca, em São Paulo, não se elegeu, mas o atacante Romário marcou um gol. Teve votos para garantir a sua vaga e ajudar o partido no Rio a conseguir mais uma, em relação a 2006. Foi uma "contratação" de peso, embora o ex-craque mal soubesse o nome do "time", na cerimônia de assinatura de sua ficha partidária, em setembro do ano passado. Depois de dizer que estava feliz por se filiar ao PSDB, Romário foi corrigido e passou a decorar em voz baixa a sigla correta: "PSB, PSB, PSB...". Pelo menos, deu importância às "letrinhas".

Outra tática: agremiações de esquerda costumam apresentar uma maior coesão de seus integrantes, mas o PSB não tem se recusado a importar políticos de distintos partidos e naipes ideológicos. Antônio Carlos Valadares, um dos três senadores do partido, reeleito por Sergipe, é um exemplo. Foi da Arena, legenda que sustentava o regime militar, do PFL (atual DEM) e do PP. O governador do Rio Grande do Norte, Iberê Ferreira, que não se reelegeu, já foi do extinto PDS, nascido da Arena, do PFL, do PPB (atual PP) e do PTB. O governador do Piauí, Wilson Martins, que renovou seu mandato, pertenceu ao PSDB por mais de dez anos. O deputado federal e ex-governador do Ceará Ciro Gomes, um dos maiores líderes do partido, e que teve sua candidatura presidencial abortada, tem perfil de carreira semelhante: antes de chegar ao PSB, em 2003, foi da Arena, PDS, PMDB, PSDB e PPS. Em São Paulo, Gabriel Chalita, cuja votação garantiu a vaga dele e de praticamente mais um candidato a deputado federal, é um ex-tucano.

O desafio que o PSB corre se põe diante da pergunta: como crescer sem evitar o processo de diluição ideológica? Como não se transformar num PMDB de esquerda?

"Temos que ter limites. Não somos imunes a alguns fatos inusitados e invenções de última hora. Mas ninguém nasce socialista. Não somos dogmáticos e não temos o discurso da pureza. O PSB é um partido de portas abertas", afirma o deputado gaúcho Beto Albuquerque, filiado na legenda há 24 anos.

Nos bastidores, o discurso é o de que um núcleo duro, composto por quadros históricos, com mais de 20 anos de partido, é capaz de garantir o crescimento com a manutenção do corpo de ideias socialistas. Empresários como Paulo Skaf e Márcio Lacerda seriam "aliados conjunturais", sem maior interferência no cotidiano partidário. E a filiação de políticos oriundos da direita teria o cuidado de não crescer para cima de partidos da base aliada do governo. "É uma preocupação estratégica e política", afirma um interlocutor com longa trajetória no partido.

A justificativa não deixa de ser uma explicação honrosa para as filiações heterodoxas. Nas últimas eleições municipais na Bahia, por exemplo, o PSB elegeu 17 prefeitos. Três eram recém-egressos do DEM, que se desmantelou com a chegada do PT ao poder no Estado, em 2006, e com a morte de seu cacique político, o ex-governador e senador Antonio Carlos Magalhães.

"Política é evolução, tem que ir caminhando, reciclar, mudar", argumenta o prefeito de Macaúbas, Amélio Costa Júnior, que conquistou o primeiro mandato em 2004 pelo então PFL e se reelegeu em 2008 pelo PSB.

Amélio conta que mudou de sigla por uma "questão local" e buscou uma legenda nova, "simpática", que apresentava uma proposta diferente e não tinha desgaste. Procurou a deputada federal e presidente do PSB no Estado, a senadora eleita Lídice da Mata, e criou o partido no município. "A questão ideológica é muito relativa. Lula é de esquerda? Eu não acredito que seja", diz o prefeito da cidade de 47 mil habitantes. Amélio afirma não ter sido levado pelo alinhamento automático às forças governistas. "Tivemos dois anos na oposição, de 2006 a 2008".

Com adesões desse tipo, o PSB teve o maior crescimento, de 76,7%, no número de prefeitos eleitos, passando de 176, em 2004, para 311, em 2008. No Nordeste, a subida foi maior, de 92%. Eram 107 e passaram para 206, o que levou a um aumento na concentração de prefeitos nordestinos do partido. Representavam 52%, em 2000, e agora são 66%. Na região, o PSB só perde para o PMDB, que elegeu 338. Curiosamente, porém, as duas legendas que mais evoluíram em termos proporcionais no Nordeste foram o PDT, com 127% (54 para 123), e o PT, com 109% (65 para 136) - partidos da base aliada que o PSB diz ter o cuidado de não melindrar.

Crescer com cuidado, com esperteza política, mas de modo pragmático, consistente, tem sido a estratégia do PSB. É uma linha que remonta e segue a tradição de Miguel Arraes (1916-2005), ex-presidente do partido e avô do governador de Pernambuco, Eduardo Campos. Já nos anos 60, num tempo em que padrões ideológicos mais rígidos norteavam a política, Arraes punha em prática alianças com facções da oligarquia rural pernambucana para derrotar representantes da indústria canavieira. Era a tática de dividir o adversário e construir uma hegemonia, juntando setores progressistas com elementos conservadores.

A Arraes é atribuída a mudança de estilo e de patamar do partido. Em sua primeira fase, o PSB era composto basicamente por intelectuais que fundaram a legenda em 1947 tentando encontrar uma via de esquerda democrática, alternativa aos métodos revolucionários do comunismo. Era um partido de quadros, sem expressão eleitoral. Como seria em sua retomada, depois da ditadura, a partir de 1985. Mas a volta de Arraes, que estava no PMDB, em 1990, deu nova inflexão ao partido: menos atenção às discussões e ao purismo ideológico e mais à micropolítica, às alianças e, principalmente, a formas de expandir o PSB.

A disputa à Presidência da República, em 2002, é um exemplo desse impulso dado por Arraes. Boa parte do partido não estava segura de que fosse a melhor decisão, sobretudo tendo um neófito, o ex-governador do Rio Anthony Garotinho, como o escolhido. Mas o cacique, favorável ao lançamento da candidatura própria, abriu espaço para que Garotinho discursasse e empolgasse os correligionários na convenção.

Miguel Arraes seguia a velha tese de que só tem torcida quem joga. Não foi a mesma posição, contudo, que o partido liderado por seu neto tomou nas eleições deste ano. O PSB não deu a mesma oportunidade para que o deputado Ciro Gomes convencesse seus correligionários, como fizera Garotinho. Costuma-se lembrar que a outra face da mesma tese é que time que vive perdendo também não conquista torcida. É um argumento mais fraco quando se sabe que o PT e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva perderam três disputas presidenciais até finalmente vencerem em 2002.

O argumento forte é que a não candidatura de Ciro Gomes atendia aos interesses de Lula, os quais Eduardo Campos e a cúpula do PSB preferiram não contrariar, negociando em troca o apoio a candidaturas do partido nas eleições a governador. Outro fator seria a disputa interna mais ou menos velada entre os dois caciques.

Hoje, o PSB ocupa uma Pasta no governo Lula, a da Ciência e Tecnologia, e a Secretaria de Portos, que tem status de ministério. O primeiro é indicação de Eduardo Campos, o segundo está na cota de Ciro Gomes.