Título: Pensar o impensável na Europa
Autor: Rodrik, Dani
Fonte: Valor Econômico, 13/12/2010, Opiniao, p. A13
Quando a Grécia foi ajudada por um pacote conjunto de socorro da zona euro e do Fundo Monetário Internacional (FMI), em maio, ficou claro que o acordo tinha comprado um alívio apenas temporário. Agora, caiu a outra ficha. Os problemas na Irlanda estão ameaçando contaminar Portugal, Espanha e até a Itália, e por isso é hora de repensar a viabilidade da união monetária europeia.
Estas palavras não me vêm com facilidade porque não sou eurocético. Ao contrário de outros, como Martin Feldstein, meu colega de Harvard, que argumentam não ser a Europa uma área monetária natural, acreditei que a união monetária fez sentido no contexto de um amplo projeto europeu que enfatizou - como ainda o faz - uma construção político-institucional ao lado de integração econômica.
A infelicidade europeia foi ter sido atingida pela pior crise financeira desde a década de 1930 a meio caminho em seu processo de integração. A zona do euro é integrada demais para que repercussões transfronteiriças não provocassem caos nas economias nacionais, mas não suficientemente integrada para dispor da capacidade institucional necessária para administrar a crise.
Quando bancos no Texas, Flórida ou na Califórnia tomam más decisões sobre empréstimos que ameacem sua sobrevivência, o Federal Reserve (Fed, banco central dos EUA) em Washington está pronto para agir como emprestador de última instância. Se forem considerados insolventes, permite-se sua falência ou passam ao controle das autoridades federais, ao passo que os depositantes são garantidos pela Federal Deposit Insurance Corporation (FDIC).
O governo federal compensa boa parte da queda nas receitas do Estado mediante transferências ou redução de impostos. Funcionários (dos bancos) que, apesar disso, vêm-se em situação pior, podem migrar facilmente para Estados com melhor desempenho sem preocupações sobre as diferenças de idioma ou choques culturais. Quase tudo isso acontece automaticamente, sem negociações prolongadas e controversas entre governadores estaduais e autoridades federais, sem ajuda do FMI ou pondo em questão a existência dos EUA como entidade político-econômica unificada.
Assim, o problema real na Europa não é que a Espanha ou a Irlanda tenham tomado grandes empréstimos ou que muita dívida espanhola e irlandesa esteja nos balanços patrimoniais de bancos em outros países da Europa. Afinal de contas, quem se importa com o déficit em conta corrente da Flórida - ou mesmo sabe o que isso significa? Não, o problema real é que a Europa não criou instituições abrangentes em nível da União como um todo que um mercado financeiro integrado exige.
Isso reflete a ausência de instituições políticas centrais adequadas. A União Europeia nos ensinou lições valiosas ao longo das últimas décadas: primeiro, que a integração financeira exige a eliminação da volatilidade entre moedas nacionais; que a erradicação de riscos cambiais demanda a eliminação total das moedas nacionais; e agora nos mostra que a união monetária é impossível entre democracias sem união política.
Deveria ter sido de esperar que o lado político da equação levaria tempo para se encaixar. É fácil culpar os políticos europeus por falta de liderança. Não subestimemos, porém, a magnitude da tarefa que os governos europeus assumiram.
Na verdade, a analogia mais próxima desse cenário é a própria experiência americana da construção de sua república federativa. Como mostra a longa luta americana pelos "direitos de cada Estado" - e, com efeito, a própria Guerra Civil - a criação de uma união política baseada numa coleção de entidades autogovernadas não é um processo tranquilo e rápido.
Estados, naturalmente, prezam sua soberania. Pior ainda: a própria união econômica pode atiçar os fogos do nacionalismo e colocar em perigo a integração política. Isso cria tensões nas instituições de cada país (vistas na pressão sobre os Estados de bem-estar europeus), gera ressentimento contra estrangeiros (basta ver o êxito recente dos partidos anti-imigração) e torna crises financeiras originadas no exterior mais prováveis e mais onerosas (como a situação atual deixa extremamente claro).
Infelizmente, agora pode ser tarde demais para a zona euro. A Irlanda e os países da Europa meridional precisam reduzir sua dívida e melhorar significativamente a competitividade de suas economias. É difícil ver como eles podem atingir os dois objetivos permanecendo na zona euro.
Os socorros à Grécia e à Irlanda são apenas paliativos temporários: em nada contribuem para reduzir o endividamento, e a ajuda não deteve o contágio. Além disso, a austeridade fiscal que receitam retarda a recuperação econômica. A ideia de que reformas estrutural e no mercado de trabalho podem produzir crescimento rápido não passa de uma miragem. Assim, a necessidade de reestruturação da dívida é uma realidade inevitável.
Mesmo se os alemães e outros credores concordarem com uma reestruturação - e não a partir de 2013, como pediu a chanceler alemã Angela Merkel, mas já - existe o problema adicional do restabelecimento da competitividade. Esse problema é compartilhado por todos os países deficitários, mas é agudo na Europa meridional. Manterem-se na mesma zona monetária que a Alemanha condenará esses países a anos de deflação, desemprego elevado e turbulência política interna. Sair da zona do euro pode ser neste momento a única opção realista para uma recuperação.
A dissolução da zona do euro não significa condená-la para sempre. Os países podem voltar a participar, e fazê-lo com credibilidade, quando os pré-requisitos fiscais, normativos e políticos estiverem assegurados. Por ora, a zona do euro pode muito bem ter chegado ao ponto em que um divórcio amistoso é uma opção melhor do que anos de declínio econômico e atrito político.
Dani Rodrik é professor de Economia Política na Escola de Governo John F Kennedy, na Universidade Harvard, e autor de "One economics, many recipes: globalization, institutions, and economic growth". (Uma economia, muitas receitas: globalização, instituições e crescimento econômico).