Título: Moreira ascende depois de crepúsculo eleitoral
Autor: Santos, Chico
Fonte: Valor Econômico, 08/12/2010, Política, p. A11

Em outubro de 2004, logo após o primeiro turno das eleições municipais, o mundo político do Rio de Janeiro foi surpreendido por uma decisão inédita da parte de um candidato. O ex-governador (1987-1990) Wellington Moreira Franco, segundo colocado no primeiro turno da disputa pela Prefeitura de Niterói, capital do antigo Estado do Rio de Janeiro, desistiu de disputar o segundo turno. Enfrentaria o então prefeito Godofredo Pinto (PT). Alegou que, com 47,97% dos votos, Pinto teve sua gestão aprovada pela população. Moreira tivera 22,48% dos votos. Foi, provavelmente, o crepúsculo eleitoral da carreira política desse piauiense - nasceu em Teresina em 1944 - criado no Rio, marcada por derrotas e vitórias expressivas nas urnas. Mas não foi o fim de uma trajetória política que nos últimos 16 anos foi de constante presença na corte de Brasília, independentemente do enquadramento do governo no espectro político-ideológico. Tudo indica que manterá rumo semelhante no governo da presidente eleita Dilma Rousseff, mesmo que não seja na desejada e ainda inédita cadeira de ministro de Estado. O pemedebista não atendeu o pedido de entrevista do Valor.

Do que foi talvez seu maior adversário, o ex-governador do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul Leonel Brizola, Moreira ganhou, nos anos 1980, o apelido de "gato angorá", inspirado no seu estilo pessoal muito esmerado na aparência, mas que pode ser também tranquilamente aplicável ao estilo político: ao mesmo tempo discreto e ostensivamente presente.

Brizola impôs a Moreira sua maior derrota, em 1982, na disputa pelo governo do Estado. Depois de duas vitórias expressivas com o apoio de maior parte das esquerdas - deputado federal mais votado do antigo Estado do Rio de Janeiro pelo MDB em 1974 e prefeito de Niterói em 1976 -, Moreira acompanhou o então sogro, o cacique fluminense Ernâni do Amaral Peixoto - genro do presidente Getúlio Vargas - na mudança para a recém-fundado PDS. Foi o partido que, com o fim do bipartidarismo (MDB na oposição e Arena na situação) abrigou a maior parte dos aliados do regime militar ainda vigente. Deixou de ficar no PMDB, herdeiro direto do legado de resistência ao regime do MDB.

A mudança, decorrente da dificuldade de abrigar os caciques Amaral Peixoto e Antônio de Pádua Chagas Freitas no mesmo partido, deu aos adversários a chance de colar em Moreira a imagem de representante do regime que ele havia combatido.

As pesquisas mais próximas à eleição davam como seu principal adversário o deputado federal Miro Teixeira (PMDB, hoje no PDT). Nascido e criado no ninho chaguista, caracterizado por um estilo clientelista de fazer política, Miro iniciava sua conversão para o posicionamento à esquerda que tomou desde então, sob desconfiança de uns e apoio de outros da mesma esquerda. Terminou em terceiro lugar, abaixo de Moreira. E ambos foram varridos pelo furacão Leonel Brizola (PDT), recém-chegado do exílio e que até poucas semanas antes da eleição era considerado fora do páreo.

Em 1986, Moreira Franco, já de volta ao PMDB, navegou nas águas do Plano Cruzado para dar o troco a Brizola, derrotando seu vice-governador, Darcy Ribeiro (PDT) na disputa pelo governo fluminense. O Plano Cruzado (fevereiro de 1986) foi a primeira tentativa do governo do presidente José Sarney (PMDB) de vencer a escalada inflacionária da década de 1980. O sucesso efêmero foi a conta do chá para assegurar ampla vitória pemedebista nas eleições daquele ano.

Como governador, Moreira teve uma gestão de polêmica com o brizolismo e de promessas não cumpridas. Acusado de paralisar, por simples revanchismo, o programa dos Cieps, ou Brizolões, as escolas pré-moldadas para funcionar em tempo integral criadas por Brizola e Darcy, Moreira não conseguiu cumprir a promessa de acabar com a violência em seis meses. Ao contrário, os bandos armados que já controlavam favelas cariocas ganharam em audácia. É de maio de 1988 a célebre imagem do menino de 14 anos apelidado de Brasileirinho, disparando do alto de uma laje na Rocinha (zona sul) após anúncio, em entrevista coletiva, de sucessão no comando do tráfico na favela. Brasileirinho e seus parceiros foram mortos dias depois, sem prejuízo para a continuidade da violência. As obras da linha do metrô entre o Estácio o Largo da Carioca (Centro) infernizaram a capital e não foram concluídas. Brizola, eleito novamente em 1990, passou asfalto sobre as obras que caíram no esquecimento.

Eleito deputado federal em 1994, Moreira decidiu, em 1998, tentar uma eleição cadeira inédita no Senado. Foi sua segunda derrota para o brizolismo. O vencedor foi um ressuscitado Roberto Saturnino Braga (PSB), aliado ao PDT, que fora ao fundo do poço como prefeito do Rio de Janeiro (1985-1988), chegando a decretar a falência do município. Moreira ficou em terceiro, perdendo também para o economista Roberto Campos (PPB), já então com 81 anos.

Sem mandato, Moreira mostrou a força das suas boas relações, passando a ocupar o cargo de assessor especial do presidente Fernando Henrique Cardoso a quem apoiara no primeiro mandato e de quem fora aluno nos anos de doutorado na Sorbonne.

A volta à Câmara em 2002 garantiu-lhe o último mandato, entremeado pela histórica derrota de 2004 em Niterói. Afastados das disputas eleitorais desde então, sem influência no Palácio Guanabara, sede do governo fluminense, apesar de seu inquilino ser o pemedebista Sérgio Cabral Filho, não se afastou do centro do poder. Encastelado na base de apoio do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o PMDB, versão Câmara de Deputados, tratou de garantir a vice-presidência da Caixa Econômica Federal que agora ocupa.

Um político influente do Rio disse, talvez com exagero, que Moreira, no esforço para ganhar um ministério no governo Dilma Rousseff, não tem apoio nem do governador e nem dos deputados federais e estaduais do PMDB do Rio do qual foi um líder importante durante muitos anos. Ao forçar para impingir Moreira a Dilma, o vice-presidente eleito Michel Temer estaria tumultuando o processo de formação do ministério que assume em 1º de janeiro.

Sarcástico, outro político fluminense disse que Moreira ministro só poderia garantir o apoio de setores do DEM, graças às suas relações pessoais com a família Maia. O deputado federal Rodrigo Maia (DEM-RJ), filho do ex-prefeito do Rio Cesar Maia, é casado com Patrícia, enteada do ex-governador, desde 2005. Os estudantes do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro, vizinhos à Igreja do Largo de São Francisco, estenderam nos muros da escola a faixa: "Por favor não procriem".