Título: Por que Ciro voltou à lista de ministeriáveis
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 14/12/2010, Opinião, p. A12

Pelo comportamento pregresso do deputado Ciro Gomes (PSB), o convite feito por Dilma Rousseff para que o político cearense (com domicílio eleitoral em São Paulo) ocupe uma vaga em seu ministério pode parecer um mero engolir de sapos para acomodar interesses da ampla aliança que deu sustentação à sua candidatura. Não é bem assim. Dilma teria mais razões para mantê-lo fora do governo do que tê-lo como auxiliar, se a intenção fosse simplesmente deixar seus aliados felizes. Se quer Ciro no seu governo, é por razões que superam a simples negociação com os partidos de sua base.

Ciro tentou viabilizar sua candidatura a presidente pelo PSB, no início do ano, com um discurso fortemente crítico ao PMDB, principal aliado de Dilma, partido que obteve na coligação nada menos do que a vice-presidência, ocupada pelo deputado Michel Temer. Um dos vídeos mais vistos na internet, quando a presidente eleita incorporou Ciro à coordenação de sua campanha, entre o primeiro e o segundo turnos da eleição presidencial, foi uma entrevista que o deputado deu à RedeTV, em abril, em que chama o PMDB de "ajuntamento de assaltantes" e o seu presidente, Michel Temer, de "chefe da quadrilha". Não economizou críticas ao PT do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que teve o partido de Temer como o maior aliado em seu segundo mandato. A seu ver, era inevitável uma contaminação ética de um governo que não escolhia bem suas companhias.

Em suas andanças, Ciro elegeu o PMDB como o inimigo público número um da democracia brasileira. Em outubro, sua incorporação oficial à coordenação de campanha de Dilma, para reforçar a campanha da candidata no Nordeste, causou profundo mal-estar nos aliados pemedebistas da candidata.

Lembrados todos esses fatos, seria difícil apostar na incorporação de Ciro Gomes ao ministério da presidente eleita. E não se pode falar que Ciro tenha "operado" em seu próprio favor: depois das eleições, ele viajou e deixou o PSB avisado que não pleiteava um ministério.

Na semana passada, foi a própria Dilma que recolocou o nome de Ciro Gomes na mesa. O PSB já tinha alguém indicado para o Ministério da Integração Nacional, o pernambucano Fernando Bezerra Monteiro, secretário do governador Eduardo Campos. A presidente eleita propôs deslocar Monteiro para o Ministério dos Portos e Aeroportos, se Ciro aceitasse o convite para integrar o seu ministério. O PSB cedeu. Estar no governo Dilma ou não, agora, é uma decisão pessoal de Ciro Gomes, que não se candidatou a nenhum cargo nestas eleições.

Se Dilma enfrentou seu maior aliado para convidar Ciro, razões certamente existem. Ele já foi ministro daquela pasta - e era considerado um bom ministro, e comprometido com a transposição do Rio São Francisco, projeto que encontra grandes resistências. Foi absolutamente discreto e leal ao presidente Lula no primeiro mandato, na condição de integrante do governo. É mais cômodo tê-lo no governo do que fora dele.

Mais do que isso, a presença de Ciro pode servir como um freio ao próprio PMDB dentro do governo petista. A vitória de Dilma certamente teve a grande contribuição do tempo de horário eleitoral gratuito do PMDB, o seu vice é pemedebista, mas como uma das principais ministras do presidente Lula no segundo mandato, ela sabe o preço que o aliado cobra. Um ministro ofensivo do outro lado pode ser uma aposta num "controle interno" do partido de Temer.

Além de tudo isso, Ciro Gomes sem mandato e sem compromisso com o governo torna-se um alvo fácil de novas articulações partidárias, que certamente prosperarão se o ex-governador e senador eleito Aécio Neves (MG) não encontrar espaço no PSDB. O deputado do Ceará, durante sua curta pré-candidatura à Presidência, pregou uma aproximação com políticos do PSDB contrários ao candidato José Serra, que pudessem neutralizar o poder de chantagem do PMDB. O sonho de consumo de Ciro sempre foi um governo que incorporasse o apoio dos setores que ele considera mais consequentes politicamente e menos fisiológicos, e não precise contar com o PMDB para manter a governabilidade.

Ciro não foi uma imposição do PSB à Dilma Rousseff, mas uma escolha da presidente eleita. É um quadro político de peso, num ministério que vem confirmando ministros que já estavam nos seus cargos ou políticos de menor expressão do que ele.