Título: O marco regulatório do petróleo no governo Dilma
Autor: Schmitt, Rogério
Fonte: Valor Econômico, 16/12/2010, Opiniao, p. A14
O ambiente político que envolve o setor de petróleo e gás natural ganhou visibilidade em dezembro. O Congresso concluiu a votação do marco regulatório do pré-sal. E o Palácio do Planalto finalmente regulamentou a Lei do Gás.
O protagonismo governamental em óleo e gás continuará sendo decisivo após a posse da nova administração. A presidente Dilma Rousseff terá que fazer três nomeações para a diretoria da Agência Nacional do Petróleo (ANP) logo no seu primeiro ano de governo. E provavelmente também caberá a ela a assinatura do decreto de criação de uma nova empresa estatal para o setor.
Tamanho ativismo do governo federal em petróleo e gás teve início com a confirmação das descobertas da camada do pré-sal. Por conta disso, o presidente Lula enviou ao Congresso, em setembro de 2009, quatro projetos de lei instituindo um novo marco regulatório para o setor de petróleo. As primeiras duas propostas foram rapidamente convertidas em lei. As outras duas precisaram aguardar o encerramento do ciclo eleitoral.
O primeiro item da agenda legislativa do pré-sal era a proposta de capitalização da Petrobras. O projeto autorizava a União a fazer uma cessão onerosa de 5 bilhões de barris de petróleo à estatal e permitia a capitalização da empresa por meio de uma mega-oferta de ações no mercado. A proposta foi aprovada na Câmara em março e no Senado em junho, tendo sido convertida na Lei Federal nº 12.276 (de 30/06/2010). A bem-sucedida operação de capitalização da Petrobras ocorreu em setembro.
O segundo item do novo marco regulatório também teve uma tramitação legislativa acelerada. O projeto autorizava o governo a criar uma empresa estatal para representar a União nos consórcios criados para gerir a exploração e produção de petróleo e gás na camada do pré-sal. A criação da PPSA (ex-Petro Sal) foi aprovada na Câmara em novembro de 2009, e no Senado em julho desse ano - e promulgada como a Lei Federal nº 12.304 (de 03/08/2010).
No entanto, a implantação efetiva da PPSA ainda aguarda a publicação de um decreto governamental. Ao que tudo indica, Lula deixará essa tarefa para a presidente eleita - que teve o petróleo como uma de suas grandes bandeiras eleitorais no segundo turno da campanha eleitoral.
Mas o êxito final de todo o novo marco regulatório dependia da aprovação do projeto que gerou o maior número de impasses políticos e federativos. No entanto, após um banho-maria que durou um semestre inteiro, o restante da agenda legislativa do pré-sal foi aprovado em definitivo pelo Congresso no início de dezembro.
Unificados em um único projeto, o terceiro e o quarto itens da agenda oficial foram aprovados em definitivo pelo Congresso no início do mês. Um deles é o projeto que introduz o regime de partilha da produção nas futuras rodadas de licitação promovidas pela ANP na área do pré-sal. O modelo também garante à Petrobras uma participação mínima de 30% nos novos consórcios. O outro item era a proposta de criação do Fundo Social - uma poupança pública, financiada pela parcela governamental na receita do pré-sal, destinada a desenvolver políticas sociais e regionais.
A unificação dos dois projetos originais ocorreu em junho, no Senado. Mas a proposta precisou retornar à Câmara por conta das mudanças feitas pelos senadores. Uma delas foi a incorporação ao projeto do Fundo Social da íntegra do projeto do regime de partilha. A outra foi a revisão da legislação sobre os "royalties", em detrimento dos estados produtores.
O presidente Lula deve agora sancionar a nova legislação nas próximas semanas. As expectativas são de que o governo vete (total ou parcialmente) apenas a revisão dos royalties - talvez enviando ao Congresso uma proposta alternativa.
Não deve ter sido mera coincidência o fato de que, na mesma semana em que o Congresso terminou de votar o novo marco regulatório do pré-sal, a equipe da presidente eleita tenha sinalizado que o senador reeleito Edison Lobão (PMDB) assumirá novamente o Ministério das Minas e Energia.
Tal diagnóstico também foi reforçado pela recente regulamentação (Decreto nº 7.382, de 02/12/2010) da chamada "Lei do Gás", aprovada pelo Congresso há quase dois anos, a qual deve ampliar a participação privada na construção de gasodutos.
Tudo indica, portanto, que a presidente eleita assumirá o poder com uma recentíssima legislação setorial recebida de presente do governo anterior. Na verdade, as maiores incertezas passaram a ser como ficará a distribuição do comando político do setor. No segundo mandato de Lula, as indicações para os principais cargos da área de petróleo estiveram sob o controle do PMDB, do PT e do PCdoB.
Até o momento, os indícios são de que esse equilíbrio partidário irá permanecer no governo Dilma. A "prova dos nove" será a definição dos novos membros da diretoria colegiada da ANP ao longo do próximo ano.
Além da cadeira que já está desocupada desde junho, outras duas vagas (inclusive a do atual diretor-geral) na ANP serão abertas em 2011. Para manter a correlação de forças herdada do governo Lula, Dilma teria que indicar pelo menos um nome de perfil técnico para essas três posições. As outras duas vagas foram preenchidas politicamente pela atual administração.
Seja como for, o cenário político em torno do setor de óleo e gás deve continuar "aquecido" no governo Dilma. No âmbito legislativo, o principal desafio da nova presidente será lidar equilibradamente com a distribuição dos royalties gerados pelo pré-sal entre os estados produtores e os não produtores. Por outro lado, Dilma também estará permanentemente ocupada com as demandas por espaço político no MME, na ANP, na Petrobras e, muito em breve, na PPSA.
Rogério Schmitt é consultor de relações governamentais da Prospectiva Consultoria, e doutor em ciência política pelo IUPERJ