Título: China é caso de política interna
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 20/12/2010, Brasil, p. A2

Há enorme coincidência entre os produtos brasileiros que vêm perdendo a competitividade e os setores em que a China se tornou o mais ameaçador concorrente, constata pesquisa feita pelos economistas Fernando Puga e Marcelo Nascimento, do BNDES. Os chineses são, portanto, apenas a face mais evidente de um bicho de muitas caras, a crescente superioridade dos produtos importados sobre o similar nacional. A China é a mais notável e também a mais ativa: o estudo comprova que os chineses são responsáveis por dois terços do avanço das importações no mercado doméstico brasileiro nos últimos cinco anos.

Comparando dados desde 2005 até agosto de 2010, Puga e Nascimento constataram que, em 2005, eram apenas seis os setores da indústria brasileira em que a China representava mais de 10% das importações. De um total de 19, a China, em 2010, já é fornecedor de mais de 10% das importações em 12 setores industriais. Principal exportador ao Brasil, a China já tem uma fatia de quase 40%, em alguns casos superior a 60%, das importações de produtos intensivos em trabalho, como têxteis, vestuário, calçados e móveis.

A novidade é que os chineses duplicaram a participação nas importações de certos produtos intensivos em tecnologia, mais sofisticados, como material elétrico, mercadoria em que, hoje, de cada US$ 10 importados, US$ 4 vêm da China. Mais de um quarto do total de compras brasileiras de bens estrangeiros intensivos em tecnologia vem da China (essa proporção era de 15,4% em 2005).

Nas importações de máquinas e equipamentos, a participação chinesa nas importações ainda não é grande, é de quase 15%, mas cresce aceleradamente: é hoje dez pontos percentuais superior à parcela que tinha apenas cinco anos atrás. Comparando a evolução do coeficiente de importação do Brasil - a parcela do consumo brasileiro atendida por fornecedores externos -, os economistas do BNDES constataram que a China foi responsável por 63% do aumento da importância das importações de bens intensivos em tecnologia - incluídos aí também os eletrônicos e equipamentos de transporte.

Material elétrico foi o setor onde mais a China contribuiu para o aumento do coeficiente importado, 73%, o que a leva a atender um quinto de todo o mercado doméstico para esses produtos. No caso dos bens intensivos em trabalho, a China responde por metade do aumento no coeficiente de importação nacional, em média, mas é a razão de mais de 80% do coeficiente de importação no setor de móveis e similares.

Em setores intensivos em escala, como químicos, borracha e plásticos, metalurgia básica e veículos, a China avançou pouco e teve desempenho menor ainda na venda ao Brasil de produtos intensivos em recursos naturais, como papel e celulose, combustíveis e bens da indústria extrativa.

O resultado do estudo de Puga e Nascimento não contraria a noção comum de que o país vem perdendo espaço para a competitividade chinesa. O fato notável que os economistas ressaltam, porém, é a clara correlação positiva entre o desempenho da China e o desempenho das importações totais: os chineses avançaram mais nos setores onde o mercado doméstico passou a buscar mais fornecedores externos (exceção feita aos setores automobilístico, onde as montadoras europeias e americanas dão preferência aos fornecedores argentinos e mexicanos, e os de metalurgia básica e combustíveis, por razões similares).

O que chamou a atenção dos economistas foi a grande disparidade entre diversos setores, no que diz respeito aos coeficientes de importação de produtos chineses. O que teriam em comum setores como têxteis e eletrônicos? Por que os chineses, tão eficientes em conquistar mercado em alguns setores, não penetraram em outros, onde também são competitivos? Os economistas do BNDES constataram que os setores onde há menor coeficiente de importação chinesa são também aqueles em que o Brasil tem maior participação do mercado mundial - ou seja, maior competitividade global.

O estudo constata que, até agora, há uma complementariedade entre os chineses importados e os produtos nacionais; a China abastece o mercado onde o Brasil não tem a desejada competitividade. A rapidez e a versatilidade com que os exportado res chineses têm aumentado sua presença no mercado doméstico, porém, recomenda uma estratégia para enfrentar a competitividade asiática, que não se baseia só em um câmbio favorecido, mas também em políticas industriais, melhoria de infraestrutura e investimento de educação.

Claramente, o estudo do BNDES indica que enfrentar o competidor chinês com os velhos instrumentos de defesa comercial não é suficiente. É preciso dotar a indústria brasileira de competitividade, e o novo governo sabe muito bem que agenda adotar. Melhoria de infraestrutura, desburocratização, redução de impostos são promessas antigas, de cumprimento inadiável.