Título: Um sonho possível: saneamento para todos
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 20/12/2010, Opinião, p. A10

A situação do saneamento brasileiro é trágica. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), somente 44% da população brasileira tem acesso à rede de esgotamento sanitário e 79% acesso a água tratada. Do total de esgoto gerado, apenas 29% é tratado. Não têm acesso à rede de esgotamento sanitário 137 milhões de brasileiros; 134 milhões não têm os esgotos de suas casas tratados e 40 milhões não têm acesso a água tratada. Oito milhões não têm nem sequer banheiro. Como mudar esse quadro? Como e quando será possível universalizar os serviços de saneamento?

A universalização do saneamento é um sonho possível, mas para o conjunto do país não pode virar realidade da noite para o dia. Não é para a Copa de 2014, nem para a Olimpíada de 2016. Mas dá para fazer em menos de 15 anos. Isso representaria uma das maiores contribuições deste século para a saúde e para o ambiente.

Estimamos que o investimento total para a universalização do saneamento seja da ordem de R$ 255 bilhões. Colocamos quatro cenários para a universalização no Brasil, sob diferentes hipóteses.

Num primeiro cenário, a hipótese de manutenção do atual nível de investimento. De acordo com dados oficiais, o investimento em saneamento caiu a partir de 1999 e se manteve entre R$ 4 bilhões e R$ 6 bilhões até 2008, último ano disponível da série. Mantidos os atuais patamares de investimentos e de produtividade, a universalização da água ocorreria em 2039; e a do esgoto (coleta e tratamento), apenas em 2060. É inaceitável esperar mais meio século para ter serviços básicos, disponíveis em vários países desenvolvidos desde meados do o século passado!

Num segundo cenário, supõe-se a duplicação do atual patamar de investimentos sem aumentar a produtividade. O horizonte de tempo para a universalização do saneamento ainda é muito distante: 2031.

É inaceitável esperar 50 anos para ter os serviços disponíveis em países desenvolvidos desde o século passado

Numa terceira situação, trabalha-se com a manutenção do investimento, mas introduz-se o aumento da produtividade. Isto é, o mesmo real passa a gerar mais ligações de água e esgoto mediante melhores projetos e técnicas. Estudos recentes sugerem que um aumento de 30% na produtividade é ambicioso, porém factível. Mas só o aumento da produtividade não permite obter prazo aceitável para a universalização. Neste cenário, a universalização de água se daria em 2028 e a de esgoto em 2042.

E uma última hipótese serve de referência para a formulação de metas de saneamento. Para universalizar o saneamento em um intervalo de tempo aceitável (até 2024) será preciso ambos: mais investimento (duplicar os valores atuais) e maior produtividade (30% a mais).

A universalização não ocorrerá simultaneamente em todas as regiões do Brasil. A cobertura de saneamento varia muito conforme as unidades da federação. As únicas com mais da metade dos domicílios atendidos em coleta de esgotos são Distrito Federal (86,3%), São Paulo (82,1%) e Minas Gerais (68,9%); as menores coberturas são Amapá (3,5%), Pará (1,7%) e Rondônia (1,6%).

O último cenário citado só será possível com mudanças macro e microeconômicas. Do ponto de vista macro, destacam-se três aspectos. Em primeiro lugar, é preciso reduzir a tributação. Os prestadores de serviços de água e esgoto pagam cerca de R$ 2 bilhões em PIS/Pasep e Cofins por ano, quase um terço do investimento do setor! Essa situação foi agravada a partir de 2003 com a elevação do PIS/Pasep e Cofins. O projeto original da Lei do Saneamento previa a isenção desse tributo para investimentos, mas o artigo foi vetado pelo executivo.

Em segundo lugar, é preciso resgatar o planejamento do setor. A Lei do Saneamento obriga o governo federal a editar um Plano Nacional de Saneamento Básico. Passados quase quatro anos da aprovação da norma, tal plano ainda não existe.

Em terceiro lugar, é preciso estimular as parcerias, tanto as parcerias público-privadas (PPP), como as parcerias público-público e outras modalidades, como a locação de ativos.

O modelo de parcerias público-público vem sendo aplicado, por exemplo, em transferência de tecnologia e conhecimento na formatação de editais e modelagens contratuais entre empresas estaduais de saneamento.

Do ponto de vista microeconômico, também três aspectos podem ser destacados. Em primeiro lugar, as empresas devem ter um planejamento voltado para a geração de valor.

Em segundo lugar, é indispensável reduzir as perdas de água. De acordo com o Ministério das Cidades, a perda média brasileira é próxima a 40%. O combate às perdas de água posterga a necessidade de investimentos em novos sistemas e aumenta a receita das companhias. Além disso, reduz custos operacionais, uma vez que é possível atender a mesma quantidade de pessoas, sem ampliar a produção de água.

Em terceiro lugar, é importante melhorar a gestão de projetos de forma a reduzir o tempo e o custo dos empreendimentos.

Por fim, a pesquisa, o desenvolvimento e a inovação devem ser incorporados tanto como estratégia empresarial, quanto como política pública no saneamento.

A universalização do saneamento constitui grande desafio. O binômio investimento e inovação pode torná-la realidade para a atual geração. Um sonho possível.

Gesner Oliveira é economista, professor da FGV-SP e presidente da Sabesp.

Fernando S. Marcato é advogado e secretário-executivo de Novos Negócios da Sabesp

Pedro Scazufca é economista e assistente executivo da presidência da Sabesp