Título: Copom: comunicação comprometida
Autor: Romero, Cristiano
Fonte: Valor Econômico, 22/12/2010, Brasil, p. A2

Um dos primeiros desafios do novo presidente do Banco Central (BC), Alexandre Tombini, será restaurar a boa comunicação do Comitê de Política Monetária (Copom) com o mercado. Ao longo de 2010, essa comunicação foi comprometida pela emissão de sinais confusos e de idas e vindas do Comitê em relação aos passos da política monetária.

A previsibilidade é um dos pilares do regime de metas para inflação. Nesse regime, o objetivo do BC não é surpreender o mercado, mas antecipar, com base na divulgação de sua leitura do cenário econômico, possíveis ajustes na taxa básica de juros (Selic) para cumprir a meta de inflação. A antecipação é benéfica porque tem reflexos imediatos no comportamento dos agentes econômicos.

No fim de 2009, já estava claro para integrantes da diretoria do BC que a economia avançava numa velocidade que produziria, mais adiante, uma forte pressão inflacionária. Por causa disso, definiu-se que o Comitê começaria, na ata da reunião de janeiro, a preparar o mercado para uma alta dos juros dali a três meses.

E assim foi feito. Em janeiro, o Copom manteve a taxa de juros em 8,75% ao ano, mas, no item 26 da ata, deu a senha de que um novo ciclo de aperto monetário estava próximo. Está escrito lá: "O Comitê irá acompanhar a evolução do cenário macroeconômico até sua próxima reunião, para então definir os próximos passos na sua estratégia de política monetária".

Sinais confusos afetaram sinalização ao mercado

O verbo "acompanhar" é o primeiro passo do Copom com vistas ao início de um ciclo de alta dos juros. O segundo é a expressão "monitorar atentamente", que, naquele processo, apareceu na ata da reunião seguinte, realizada em março. Ficou claro, portanto, que em abril a taxa Selic subiria.

O problema é que entre os encontros de janeiro e março do Comitê, um hiato de quase 50 dias, o cenário piorou sensivelmente. As expectativas de inflação se deterioraram rapidamente e a inflação corrente acelerou de forma vertiginosa - o IPCA acumulado em 12 meses saltou de 4,31% em dezembro para 5,17% em março; no mês seguinte, foi a 5,26%.

Esta coluna apurou que, na reunião de março, os integrantes do Copom travaram intenso debate. Alguns diretores alegaram que, se o Comitê elevasse os juros já naquela ocasião, o mercado não seria surpreendido, dada a piora sensível do ambiente inflacionário. Outros argumentaram que, se fizesse isso, o Copom comprometeria a comunicação, uma vez que o script sinalizara aumento da Selic apenas em abril.

Um outro argumento usado naquela reunião foi o de que, se mexesse nos juros em março, o Copom perderia a chance de dar credibilidade ao "novo" BC. O contexto era o seguinte: o presidente da instituição, Henrique Meirelles, estava às vésperas de decidir se, em abril, deixaria o cargo para disputar as eleições; em seu lugar, assumiria Tombini.

Em março, o Comitê se mostrou dividido: cinco diretores votaram pela manutenção da Selic e três, pelo aumento. Como se sabe, Meirelles desistiu de sair candidato e, em abril, o Copom aumentou a Selic de 8,75% para 9,5% ao ano. Se tivesse iniciado o ciclo um mês antes, talvez pudesse ter começado com uma alta de 0,5 ponto percentual, em vez de 0,75.

No Relatório de Inflação (RI) divulgado no fim de março, foi dito que o Comitê não subiu os juros naquele mês porque aquilo não era consistente com a comunicação anterior. A explicação foi colocada no relatório depois que o texto já estava pronto. O problema é que, em seus passos seguintes, o BC ignorou a regra da comunicação.

Em junho, o Copom voltou a subir os juros, desta vez, para 10,25% ao ano. No RI daquele mês, deu todas as indicações de que o aperto monetário duraria um bom tempo. Na reunião de julho, o Comitê voltou a subir juros, para 10,75% ao ano, embora num ritmo menor (de 0,5 ponto). Na ata daquele encontro, deu uma guinada na comunicação.

O argumento para a mudança de tom foi o de que os dados da economia eram tão fortes que eles tinham predomínio sobre a comunicação, portanto, o oposto do que foi alegado em março. A leitura do mercado foi a de que há uma assimetria. Para subir os juros, o Copom tem que cumprir o ritual estabelecido e, para isso, a comunicação é fundamental, mas, para baixá-los - ou para não elevá-los -, o Comitê pode surpreender.

É bom lembrar que, amparado na inflação de junho a agosto, que caiu a zero em cada um desses meses, e não nas expectativas do mercado para 2011, o BC justificou a interrupção da alta dos juros. Foi um erro, afinal, nos meses seguintes, a inflação explodiu e, agora, ameaça fechar 2010 em 5,9%, perigosamente longe da meta de 4,5%.

As expectativas para o ano que vem continuam se deteriorando, mas o Copom, em sua última ata, divulgada semana passada, em vez de dar previsibilidade às suas ações, comprometeu de vez a comunicação. Ao dizer que vai "acompanhar atentamente" o cenário, indicou que pode tanto aumentar os juros em janeiro quanto não fazê-lo.

Para complicar, há uma turma no novo governo dizendo que, num ambiente de incertezas, o Comitê está certo e não deve mesmo indicar, com semanas de antecedência, o que pretende fazer. Ora, isso ofende frontalmente a lógica do regime de metas.