Título: Dengue tem o pior índice em 20 anos
Autor: Grabois, Ana Paula
Fonte: Valor Econômico, 22/12/2010, Política, p. A6

A área da saúde chega ao último ano do governo Luiz Inácio Lula da Silva com o pior quadro para a epidemia da dengue. De janeiro a outubro deste ano, 592 pessoas morreram em decorrência da doença no país, o maior número já registrado desde 1990. O total de mortes de 2010 inclui casos confirmados e outros ainda sob investigação. O total de casos notificados também explodiu e passou para 936 mil, quase o dobro das notificações relativas ao mesmo período de 2009, correspondentes a 480 mil. "Não há como erradicar a dengue, tem que cuidar para controlar, tem que ter uma política sistemática de controle, que hoje é inexistente", afirma a professora de Saúde Coletiva da UFRJ Lígia Bahia.

Parte da falta de solução para a epidemia da dengue tem relação com a falta de acesso à água encanada no país e à cobertura deficiente de saneamento básico - apenas 53% dos lares brasileiros estão ligados à rede de esgoto.

No balanço do setor divulgado na semana passada, o governo afirma que pretende reduzir em 5% ao ano o número de notificações de casos dengue de 2008 a 2011 nas regiões metropolitanas de São Luís, Fortaleza, Recife, Salvador e Rio. A meta está associada a obras de saneamento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que devem diminuir o uso de reservatórios d"água, criadouros do mosquito transmissor da doença.

Outra causa para entender a epidemia da dengue no Brasil é o funcionamento do Sistema Único e Saúde (SUS). Criado na Constituição de 1988, o SUS tem como objetivo de expandir o acesso a saúde no país por meio de uma gestão descentralizada entre União, Estados e municípios. Ainda pouco azeitado, o SUS demanda ajustes na gestão e carece de recursos.

A universalização do SUS tão defendida pelos quatro ministros que passaram pela pasta no governo Lula emperrou na falta de dinheiro para aumentar a infraestrutura de atendimento, de pessoal e da qualidade do serviço prestado. Municípios e Estados têm dificuldade orçamentária para expandir suas redes de saúde. Administradores públicos e estudiosos da saúde pública criticam ainda os critérios de distribuição de verbas. Desde 2007, pesquisas do Ibope e do Datafolha revelam que o setor da saúde tem a pior avaliação da população entre temas como segurança, desemprego e educação.

Autora de artigo que analisa os oito anos do governo Lula na saúde, Lígia Bahia mostra que os recursos para o SUS ainda são baixos e não acompanharam o crescimento econômico brasileiro. "O SUS e a oferta de serviços não foram prioridade. O governo Lula deu prioridade ao consumo, ao oferecer emprego, renda, Bolsa Família e crédito. A saúde nunca foi prioridade nos governos Lula, FHC e Collor", disse a pesquisadora da UFRJ.

Segundo seus cálculos, o orçamento de 2010 para a Pasta, se corrigido pelo crescimento do PIB, apresenta queda ou estagnação em um cenário cuja tendência é de gastos cada vez maiores. A população cresce, está envelhecendo e a expectativa de vida aumenta. Por outro lado, as novas tecnologias de tratamento e de diagnóstico custam mais.

A avaliação da pesquisadora da UFRJ é de que os problemas de oferta e da qualidade do atendimento se avolumaram. "Mais de 20 anos depois da aprovação, na Constituição de 1988, o SUS ainda não dispõe de suportes mínimos, estáveis e unificados seja no que diz respeito ao aporte de recursos financeiros, seja no que concerne ao registro de informações voltadas à garantia do acesso, utilização de serviços e monitoramento da qualidade dos serviços prestados", afirma a professora da UFRJ em seu artigo sobre a saúde nos anos Lula. vê avanços em programas específicos como o Saúde da Família, a farmácia popular, o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) e o atendimento em saúde odontológica.

O atual ministro José Gomes Temporão tentou emplacar um projeto para criar fundações de direito privado gestoras de hospitais e clínicas públicas. A ideia foi por água abaixo. Os obstáculos vieram de parlamentares do próprio PT ligados ao movimento sindical, que enxergavam na propostas um viés privatizante e de estímulo à terceirização da saúde.

O chamado subfinanciamento do SUS chegou a ser levantado pelo próprio presidente Lula na primeira entrevista com Dilma Rousseff eleita presidente. Parte dos governadores eleitos neste ano, a maioria da oposição, se posicionou a favor da aprovação da Contribuição Social para a Saúde (CSS) em substituição à CPMF, contribuição que deixou de ser cobrada depois que o Congresso não aprovou sua renovação, no fim de 2007.

Mesmo com a escassez de recursos, vários indicadores melhoraram ao longo dos anos Lula. A mortalidade infantil caiu, ainda que o país esteja abaixo do patamar de países desenvolvidos. O total de casos de pessoas com Aids e portadoras de outras doenças transmissíveis, como malária, tuberculose, meningite e hanseníase também diminuiu. Outro destaque positivo foi a política de incentivo à fabricação de medicamentos no país, com o apoio da Fiocruz e do BNDES.