Título: O etanol é um bom negócio
Autor: Riisgaard, Steen; Braga, Fernando
Fonte: Correio Braziliense, 26/07/2010, Economia, p. 9

Entrevista - Steen Riisgaard

Presidente da Novozymes acha que os investimentos mundiais em energias renováveis não estão sendo feitos nos volumes que deveriam

O presidente da Novozymes, empresa dinamarquesa de desenvolvimento de biotecnologia, Steen Riisgaard esteve no Brasil na última semana para promover o uso de fontes renováveis e projetos de bioenergia no país. Em entrevista ao Correio, ele elogiou o desenvolvimento da indústria nacional de biodisel e defendeu novas formas para se aproveitar a biomassa produzida no país. Segundo estudos conduzidos pela companhia, a conversão de biomassa em combustíveis, energia e produtos químicos, tem o potencial de contribuir com mais de US$ 230 bilhões para a economia mundial até 2020. O Brasil conta com oportunidades enormes que vêm da agricultura. Por isso acredito que o país será extremamente beneficiado pelas mudanças que estão por vir, declarou. O executivo também defendeu o uso inteligente da cana-de-açúcar para promover uma nova mudança na sociedade brasileira que pode atingir muito mais do que a indústria de carros movidos a biocombustível.

A dependência mundial do petróleo, como principal fonte de energia, está em queda? É inevitável que essa dependência seja cada vez menor. Não tenho dúvida disso. É algo que já está acontecendo. Agora é só uma questão de tempo para que o mundo todo reconheça e passe a adotar fontes de energias alternativas para mover suas indústrias e toda a sociedade. Acredito que o bioetanol, por exemplo, tem um potencial enorme a ser explorado.

A crise econômica está sendo entendida como um estímulo ou um freio para os investimentos em energias alternativas? Ao redor do mundo, os governos e as empresas ainda estão muitos cautelosos por conta da crise, o que faz com que os investimentos não sejam tão volumosos quanto deveriam. Ainda aqui no Brasil, que possui uma tecnologia enorme neste assunto, vemos que as apostas são lentas. Os investimentos devem ser mantidos para que haja cada vez mais fábricas e projetos envolvidos na produção de energias que não dependam do petróleo.

Investir em energias alternativas já é um bom negócio? O Brasil tem mostrado com o etanol que pode ser um bom negócio, sim, uma vez que esse é um setor que não recebe nenhum subsídio para o seu desenvolvimento e, mesmo assim, tem crescido tanto por aqui. É claro que alternativas como a energia eólica e a solar são fantásticas, mas elas são para países ricos. Não estou dizendo que o Brasil não seja rico, mas, uma vez que vocês têm o etanol, deve-se explorar muito mais essa possibilidade do que as outras alternativas, já que existe toda uma tecnologia desenvolvida e amadurecida na produção desse tipo de energia.

Quando a biomassa começará a ser uma realidade no setor de energia mundial? Acho que é um processo que já começou. No Brasil, é claro, se utiliza muito mais a biomassa para produzir energia do que em outros países como os Estados Unidos e a China. Penso que em 10 anos iremos sentir o impacto mais forte dessa alternativa ao redor do mundo.

Qual é a importância do Brasil nesse processo? O Brasil é uma forte liderança no processo de uso de fontes renováveis de energia no mundo. As oportunidades que vêm da agricultura são enormes. Então acredito que o país talvez seja o principal beneficiado com as mudanças que estão por vir com este novo cenário. Com o desenvolvimento do etanol de segunda geração, isso será ainda mais vantajoso para o Brasil, uma vez que é possível dobrar sua produção utilizando a mesma quantidade de cana-de-açúcar. Segundo pesquisas, aproximadamente 35% do combustível utilizado hoje em dia poderiam ser substituídos por alternativas renováveis, especialmente o etanol. Esse é o futuro e acredito que a energia vinda de fontes renováveis será utilizada por praticamente todos os processos da indústria.

A biomassa é aproveitada em todo o seu potencial? Acho que o próximo estágio é usar a biomassa de um modo mais inteligente, aproveitando o material como um todo. Isso porque a biomassa pode ser usada para gerar celulose e, uma vez fermentada, produzir álcool. Mas devemos prestar atenção, pois nesse processo sobra lignina (um dos principais componentes da fibra vegetal), que pode ser aproveitada no processo de conversão da bioenergia. A questão é que não devemos olhar a biomassa apenas como forma de geração de energia. Essa é uma maneira muito primitiva para se enxergar todo o potencial que ela nos oferece. Antes de queimar todo o bagaço da biomassa, devemos olhar para ela e perguntar o que mais poderia ser tirado dali. Podemos fazer etanol, produzir energia, celulose, ração... O olhar tem que ser diferente. Você não pode ver a cana-de-açúcar e só pensar em açúcar e álcool. Ela é muito mais do que isso.

Até que ponto o Brasil pode lucrar com a tecnologia do álcool combustível? É claro que o Brasil pode ter vantagens significativas exportando esse tipo de combustível para outras nações, mas acredito que, primeiramente, o país deva olhar para o seu mercado interno, que tem um grande potencial e uma demanda crescente. Então eu pergunto: por que não transformar a sociedade brasileira numa sociedade baseada em cana-de-açúcar, utilizada para produzir polietileno e, em alguns anos, o polipropileno, onde se tem a produção do plástico verde? Assim seria possível olhar para o açúcar e ter toda uma sociedade capaz de absorver vários tipos de produtos oriundos da cana, diminuindo a participação do óleo nas indústrias. Vocês teriam uma sociedade totalmente fundamentada biotecnologicamente. Essa é uma grande oportunidade para o Brasil.

O Brasil é uma forte liderança no processo de uso de fontes renováveis de energia no mundo

Por que não transformar a sociedade brasileira numa sociedade baseada em cana-de-açúcar?

Segundo pesquisas, aproximadamente 35% do combustível utilizado hoje em dia poderiam ser substituídos por alternativas renováveis

Alternativa econômica que vem dos resíduos

A energia produzida a partir de dejetos pode surgir como uma alternativa econômica para dar sustentabilidade a uma das atividades que gera um agressivo impacto ao meio ambiente: a pecuária. Segundo um estudo divulgado pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) em parceria com a Itaipu Binacional, o gás emitido pelos resíduos oriundos da criação extensiva de animais no Brasil pode gerar uma energia equivalente à produzida na usina hidrelétrica de Jirau (3.300 megawatts), o que seria suficiente para atender a uma cidade com 4,5 milhões de habitantes.

Segundo o levantamento, caso a energia produzida a partir desse tipo de material orgânico fosse vendida no país, o faturamento anual poderia alcançar R$ 1,5 bilhão considerando os valores praticados pelo preço do leilão da Companhia Energética Paranaense (Copel). Além disso, os próprios criadores de gado seriam beneficiados, uma vez que a economia decorrente do consumo dessa energia poderia chegar a R$ 200 milhões mensais algo em torno de R$ 2,7 bilhões por ano.

A FAO e a Itaipu Binacional defendem a adoção dessa alternativa como medida para balancear outras fontes de energia utilizadas no Brasil. A usina hidrelétrica de Jirau, no rio Madeira, em Rondônia, vai gerar uma quantidade média de energia elétrica equivalente a que poderia ser criada a partir de resíduos, mas provocando impactos no meio ambiente e exigindo um investimento acima de R$ 13 bilhões, aponta o relatório.

Biodigestor Para converter os dejetos, as propriedades rurais devem ter instalado um biodigestor, responsável por transformar, por meio de um processo de fermentação, a matéria orgânica recolhida em gás combustível e adubo. Esse processo é realizado por bactérias, que, na ausência de oxigênio, realizam o metabolismo produzindo gás metano. Dessa forma, as propriedades rurais reduzem as emissões de gases poluentes contidos nos dejetos e ainda se beneficiam da eletricidade gerada por essa alternativa. De acordo com o estudo da FAO e da Itaipu Binacional, estima-se que 71,3 milhões de toneladas de gás carbônico deixariam de ser emitidas para a atmosfera a partir do biogás convertido da biomassa residual que poderia ser produzida no país.

Com a intenção de reduzir os custos com energia, empresários brasileiros começam a apostar na solução. Os sócios da Fazenda Iguaçu, produtora de leite, fizeram um investimento de R$ 400 mil reais para instalar um biodigestor na propriedade rural. É um investimento que se paga em pelo menos seis anos, mas temos tido uma excelente resposta, garante Tiago Sossella, filho de um dos sócios do negócio localizado no município de Céu Azul, no Paraná. A conversão em energia das 150 toneladas de dejetos recolhidas todos os meses no local ajudam a gerar eletricidade para alimentar grande parte da fazenda. Tivemos uma economia de 25%. Além disso, o excedente da energia produzida é vendido para a Copel. A ideia deu tão certo que já temos um projeto para trocar o biodigestor atual, capaz de produzir 33kw/h, por um outro mais potente, comemora. (FB)