Título: Para Delcídio, é o momento de repatriar
Autor: Ulhôa, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 23/12/2010, Política, p. A7

O senador Delcídio Amaral (PT-MS) acredita que o momento vivido pelo país favorece a aprovação de uma legislação que permita a regularização de bens de brasileiros localizados no exterior, apesar do real valorizado. Para evitar uma enxurrada de dólares, ele acredita na eficiência de uma cláusula do projeto de repatriação, que estabelece uma taxa variável de IOF. "O governo vai poder reduzir e elevar a alíquota para atender os objetivos das políticas monetária, cambial e fiscal", diz ele.

O senador negociou durante quase dois anos com o governo, o setor empresarial e o Judiciário - de onde, segundo ele, vem a resistência maior. Ele espera que seu projeto, chamado de "Cidadania Fiscal", seja aprovado pelo Senado no início da legislatura e enviado à Câmara dos Deputados. Segundo Delcídio, a estimativa de entrada de US$ 50 bilhões é conservadora. O valor pode chegar ao dobro, segundo lhe disseram fontes que não revela.

Valor: Valor Econômico : Em que essa versão do projeto de repatriação é diferente da primeira apresentada pelo senhor em 2009?

Delcídio Amaral: O primeiro projeto incluía não só anistia para brasileiros que têm recursos no exterior, mas também uma anistia interna, principalmente para atualizar valores de imóveis declarados abaixo do valor de mercado. Pelo projeto, você tinha condições de fazer um realinhamento pagando uma alíquota maior. Mas tivemos muitos problemas. O Ministério da Fazenda e a Secretaria da Receita Federal foram contra. Só concordaram com anistia para trazer os recursos de volta. O projeto foi reapresentado sem a anistia interna e com modificações resultantes das audiências públicas e conversas com gente de mercado, empresas de auditoria, escritórios de advocacia, juristas representantes do sistema financeiro, das indústrias e do comércio.

Valor: O resultado é consenso?

Delcídio: Foi mais ou menos um ano e meio a dois anos para chegar nesse texto final. É um projeto complexo, sofisticado, feito após análise das experiências internacionais. Vimos o que deu certo e tentamos adaptar para a realidade brasileira.

Valor: O que o senhor destaca?

Delcídio: Criamos várias alternativas de internação dos recursos. Uma, o contribuinte assumindo diretamente e colocando o dinheiro no sistema financeiro brasileiro. Outra alternativa é usar bancos que o Banco Central viria a definir, para servir como agentes fiduciários. Outro exemplo: o contribuinte pode declarar e deixar o dinheiro lá fora e também colocar esse dinheiro num fundo, onde ficaria rendendo juros, e seria utilizado na infraestrutura do país. Vêm aí a Olimpíada, a Copa do Mundo. Outra coisa: dependendo da forma como você internaliza, paga uma alíquota diferenciada. Se investir em infraestrutura, a alíquota é menor. O importante é que, a partir do momento que os ativos são declarados, você aumenta a base arrecadatória. Então esse projeto, assim com a exploração do petróleo na camada pré-sal, vai gerar riquezas adicionais. Assim se cria um ambiente favorável à realização de uma reforma tributária e há injeção de dinheiro novo.

Valor: Como garantir que não haverá entrada de dinheiro de origem ilegal?

Delcídio: O projeto não permite a internação de dinheiro fruto de corrupção. É de gente que trabalhou, mas com tantos planos econômicos, um atrás do outro, e com instabilidade jurídica, os caras botaram o dinheiro lá fora. A garantia é o filtro que as instituições financeiras terão de fazer. Com os mecanismos de monitoramento e controle que existem, elas têm condição de fazer o rastreamento e assumir o compromisso da internalização. E com um detalhe importante: se houver algum desvio com relação à origem, ou se ficar detectado a posteriori que o dinheiro é ilegal, você pune as instituições financeiras. E isso é possível, feito em outros países.

Valor: A declaração de recursos enviados para o exterior sem declaração não deixará o contribuinte exposto a uma devassa pelo fisco?

Delcídio: Nós demoramos um tempo enorme para discutir a cláusula da não punibilidade. Ou seja, com essa anistia não se pode investigar mais nada do passado. Isso é um ponto crucial do projeto porque os empresários precisam dessa segurança. O texto é extremamente rigoroso para não levar a qualquer tipo de investigação anterior. A convivência desse empresário, brasileiro, seja pessoa jurídica ou física, que trouxe esse dinheiro que estava lá fora, é dali para a frente. Para trás não mexe.

Valor: E com o real valorizado, como fica a questão do câmbio com a entrada de mais dólares?

Delcídio: Nós estabelecemos no projeto uma taxa de IOF (Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro ou relativas a Títulos ou Valores Mobiliários) de 25% sobre o valor de liquidação da operação cambial. O governo vai poder reduzir e elevar a alíquota para atender os objetivos das políticas monetária, cambial e fiscal. Então, como o governo tem essa margem, pode calibrar o IOF, em função do câmbio. Em função da paridade real -dólar, pode aumentar ou diminuir o IOF. E também, em função do câmbio, colocamos como alternativa reconhecer o ativo, mas poder deixar o dinheiro lá fora. O contribuinte paga uma alíquota maior, mas pode deixar o dinheiro lá fora e não internalizar para não causar esses problemas.

Valor: Por que o empresário vai querer trazer o dinheiro?

Delcídio: Primeiro, porque muitos - e a gente conversou com vários deles - têm sucessão familiar. Com esse dinheiro lá fora, como é que um filho ou um neto assumirá com essa espada de Dâmocles na cabeça, porque ele acaba assumindo a ilegalidade lá fora. Então a gente está fazendo um sistema de incentivo para que ele declare e traga esse dinheiro novo para o Brasil. O país precisa de dinheiro novo para investimento. Outra coisa importante: hoje, quem tem dinheiro lá fora, os juros estão a 0,25%. Então é muito melhor trazer para cá e investir em coisas dentro do país. E hoje o país tem segurança jurídica. O país tem perspectivas de crescimento. Hoje existe um quadro absurdamente favorável para você internalizar esses recursos. É uma absoluta necessidade para os empresários. De mamando a caducando, todos querem a lei.

Valor: A estimativa é de que tenha US$ 50 bilhões de brasileiros lá fora, nessa situação?

Delcídio: Esse é um valor conservador. Estamos estimando US$ 50 bilhões, mas outras áreas -não vou dizer quem - acham que o valor pode chegar a 100.

Valor: O senhor disse que o projeto tem apoio do governo e dos empresários. Mas tem uma resistência da área jurídica. Por quê?

Delcídio: Poder Judiciário e o Ministério da Justiça questionam a questão da impunibilidade. Eles acham que essa anistia não deve ser dada, que o Ministério da Justiça tem os controles necessários para rastrear esse dinheiro lá fora. Mas a experiência que temos é que o sistema financeiro é tão complexo que é absolutamente impossível rastrear tudo isso lá fora. É um trabalho hercúleo e a possibilidade de resgatar tudo isso é remota. Acho muito mais prático fazer isso, zerar o jogo e começar uma nova vida. Deixando bem claro: separando a ilegalidade pelos mecanismos que o projeto prevê daquele dinheiro bom. O dinheiro de produção, que foi colocado lá fora inclusive através de contas CC5, que o BC autorizava, para aquelas pessoas que trabalharam se protegerem, com medo da segurança jurídica.

Valor: O contribuinte tem que declarar a origem?

Delcídio: Declara a origem e os bancos vão rastrear, vão conversar com quem está internalizando, principalmente naqueles casos em que os bancos funcionam como agentes fiduciários. Outra coisa: acabar com a hipocrisia. Todo mundo fez. Não ficar com esse discurso: não li, não gostou. Tem que ler o projeto. É bem amplo, complexo, inclusive nos seus anexos tem todos os modelos de repatriação.