Título: Moreira Franco promete liberdade no Ipea
Autor: Costa, Raymundo
Fonte: Valor Econômico, 23/12/2010, Política, p. A9
Às vésperas de assumir a Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), o sociólogo Wellington Moreira Franco (PMDB) ainda espera uma conversa com a presidente eleita, Dilma Rousseff, para saber o que ela espera da secretaria em termos de planejamento estratégico. Antecipa, no entanto, que não dará conotação "partidária" à sua gestão e que vai assegurar "ampla liberdade" à manifestação das diferentes correntes do pensamento econômico.
Duas correntes disputam a hegemonia no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), órgão vinculado à SAE. Até recentemente, essas duas correntes eram simplificadamente classificadas de "desenvolvimentista" e "fiscalista". Hoje elas são divididas, no governo, entre os que defendem maior ou menor interferência do Estado na economia. Moreira Franco evita identificar-se com uma ou outra corrente.
"As divergências que ao longo do tempo marcaram o pensamento econômico brasileiro sempre tiveram livre trânsito dentro do Ipea", afirmou ao Valoro futuro chefe da SAE. "O processo de produção do conhecimento só se cria num ambiente de liberdade", diz. Moreira lembra que na ditadura o Ipea já discutia a distribuição de renda. A independência intelectual, segundo o futuro ministro, "é o grande patrimônio do Ipea".
Moreira acompanha atentamente o debate sobre a possibilidade de uma inflexão na atual política do Ipea, mas dá de ombros aos argumentos utilizados. "Esse ambiente de açodamento, partidarização e disputa de cargos não é um ambiente que me motiva", disse o ex-deputado. "Não chego pensando em nomear ou demitir".
"Não há motivo para preocupação de nenhuma natureza", afirmou Moreira. "Nem de natureza teórica, nem doutrinária ou ideológica". Isso, segundo Moreira Franco, "por diversas razões - a primeira delas é que o Ipea é um patrimônio do pensamento econômico brasileiro".
Acadêmico e político, Moreira Franco assegurou que não será "um militante do PMDB" no cargo de ministro da SAE, apesar de ter sido indicado pelo partido para a secretaria. "Nos cargos todos que ocupei - executivo estadual, federal e municipal - eu jamais fui neles um militante do PMDB, e não serei agora".
Antes de estabelecer diretrizes para o Ipea, Moreira Franco deve se reunir com a presidente eleita Dilma Rousseff para saber o que ela quer da SAE, em termos de planejamento estratégico. Só depois dessa reunião é que ele pretende se encontrar com o atual presidente do Ipea, Márcio Pochmann, economista filiado ao PT. "Qualquer avaliação que faremos será precedida de várias conversas com ele", disse. "Calma", é o que pede o futuro ministro da SAE.
Até falar com Dilma, o ex-deputado prefere não avançar sobre as questões estratégicas que serão abordadas pela SAE. Mas a expectativa é que, em vez de discutir 2022, a secretaria e o Ipea devem se debruçar sobre questões mais presentes. Uma delas já foi tratada com Dilma no momento em que o PMDB negociou a participação do partido na composição do governo Dilma Rousseff: a confecção do programa nacional de saneamento e resíduos sólidos.
O programa é considerado fundamental para que Dilma possa atingir a única meta que estabeleceu claramente ao longo da campanha eleitoral: a erradicação da pobreza em uma década. O entendimento é que não há como resolver a questão da miséria sem saneamento básico.
Outro aspecto que pode entrar na linha de abordagem da SAE é o que o governo pode fazer para a colocação da mão de obra no mercado - embora as universidades formem novos profissionais, a reclamação da indústria é que falta mão de obra qualificada. A SAE teria como traçar estratégias para desatar este nó.
Moreira gosta de se referir ao Plano de Metas do ex-presidente Juscelino Kubitschek: as políticas para as indústrias automobilística, de autopeças, construção naval e o plano rodoviário nacional eram as questões estratégicas do plano. Até uma estrutura própria foi criada para que seus objetivos fossem plenamente atingidos.
"Estou com o espírito absolutamente aberto para colaborar com o fortalecimento do Ipea - e da SAE - com o objetivo de contribuir para que os pontos considerados estratégicos pela presidente Dilma sejam estudados e transformados em projetos e programas", disse Moreira Franco. "Objetivos como a eliminação da miséria para a construção de uma forte sociedade de forte classe média no país".
Antes de ser confirmado para a Secretaria de Assuntos Estratégicos, Moreira Franco esteve cotado para assumir o Ministério das Cidades, na hipótese de a Pasta passar para o comando do PMDB. Na campanha, ele foi o representante do partido no comitê da candidata do PT, onde não demorou a se enturmar. Em pouco tempo, Moreira tornou-se um conhecedor da biografia de Nelson Mandela, um ícone petista e assunto sempre bem-vindo às rodas de discussão de Dilma, presidente que entra, e Luiz Inácio Lula da Silva, presidente que sai.