Título: Ex-crítico estará à frente da transposição do S. Francisco
Autor: Camarotto, Murillo
Fonte: Valor Econômico, 23/12/2010, Política, p. A10

Município mais importante do vale do rio São Francisco, com 294 mil habitantes, Petrolina é nacionalmente famosa por suas frutas, vinhos e pela música de Luiz Gonzaga, que gosta de Juazeiro, mas adora Petrolina. Dentro da cidade, porém, famosa é a família Coelho, que comandou a política local por mais de 50 anos, até perder as últimas eleições municipais, em 2008. Prefeito local por três vezes, o novo ministro da Integração Nacional, Fernando Bezerra de Souza Coelho (PSB), chegará à Brasília após recente polêmica envolvendo sua gestão e com uma curiosa contradição: ele era um crítico duro da transposição do São Francisco, principal projeto tocado pela Pasta.

Sua ascensão à Esplanada dos Ministérios ilustra bem o estilo de fazer política do governador de Pernambuco, Eduardo Campos, grande fiador da indicação de Bezerra Coelho à presidente eleita, Dilma Rousseff. Nos últimos anos, Campos tem demonstrado notável perícia em atrair antigos adversários para sua seara. Foi assim com o deputado federal Inocêncio Oliveira (PR), com o ex-governador Joaquim Francisco (PSB) e, de certa forma, com o novo chefe da Integração Nacional.

Considerada tranquila, a indicação sofreu certo abalo nas últimas semanas, após o deputado federal Ciro Gomes (PSB) ter sido convidado por Dilma para voltar à Integração Nacional. O convite desarrumou os planos de Campos, que em caso de acerto com Ciro, teria que deslocar Bezerra Coelho para a Secretaria de Portos. Outro complicador para a nomeação do ex-prefeito de Petrolina foi a denúncia, apresentada pelo jornal "Folha de S. Paulo", de que ele teria ordenado o pagamento de mesada a líderes comunitários durante sua última gestão, com o objetivo de cooptar apoio político. Questionado, o novo ministro nega tudo.

Fernando Bezerra Coelho conhece bem Brasília. Com 53 anos completados na terça-feira, foi deputado federal entre 1987 e 1992, quando interrompeu o segundo mandato para disputar e vencer sua primeira eleição para a Prefeitura de Petrolina, pelo PMDB. Naquela altura, a família Coelho já estava dividida, como segue até hoje. Com origem no PDS - de onde brotou o PFL e, mais tarde, o DEM -, Bezerra Coelho decidiu apoiar a candidatura de Miguel Arraes ao governo de Pernambuco em 1986, na contramão do que desejava parte do clã, que queria o ex-ministro de Luiz Inácio Lula da Silva José Múcio Monteiro, atualmente no Tribunal de Contas da União (TCU). Múcio, aliás, é outro ex-adversário que migrou para o lado de Campos em Pernambuco.

Após cumprir o primeiro mandato de prefeito, Bezerra Coelho foi convidado, em 1997, para ser secretário no segundo governo de Arraes, quando decidiu migrar para o PSB. A vida de socialista durou pouco e ele voou para o PPS já em 1999, pouco depois da derrota de Arraes para o hoje senador Jarbas Vasconcelos (PMDB), de quem Bezerra Coelho viria a ser tornar aliado.

Em 2000, ele voltou ao comando de Petrolina, dessa vez pelo PPS, e com uma vitória mais folgada sobre o primo e adversário, Luiz Eduardo Coelho (PFL). Quatro anos mais tarde, foi reeleito após uma disputa acirrada, dessa vez contra tio, Osvaldo Coelho (PFL), outro ferrenho oponente.

Antes mesmo de assumir o terceiro mandato em Petrolina, Bezerra Coelho começou a mudar novamente de direção. Ao se aproximar de Lula, afastou-se automaticamente de Jarbas, um crítico contumaz do presidente. Na contramão do que ditava o PPS, que à época passou a integrar a oposição na esfera federal, apoiou a reeleição de Lula e deu início às articulações para mais uma troca de sigla.

"O prefeito reeleito de Petrolina, Fernando Bezerra Coelho (PPS), é mesmo um "danadão". Na sexta-feira, pela manhã, abriu espaços na sua equipe para gente do PMDB e do PFL. À noite, estava com socialistas na festa de Arraes" conta reportagem do "Jornal do Commercio", publicada em dezembro de 2004.

Após algumas negociações, ele acertou seu retorno ao PSB em junho de 2005. Em agosto do mesmo ano, ingressou no diretório nacional do partido, quando se aproximou mais do atual governador de Pernambuco. Após a vitória de Campos, em 2006, Bezerra Coelho chegou a ser cotado para a Pasta de Ciência e Tecnologia, mas acabou preterido.

Em janeiro de 2007, ele renunciou ao mandato de prefeito para assumir a Secretaria de Desenvolvimento Econômico de Pernambuco, onde desfruta do status de "super-secretário". Além da Pasta, levou a presidência do Complexo Portuário de Suape, principal vitrine do crescimento econômico vivido pelo Estado. Como se não bastasse, também acumula a presidência do conselho do clube de futebol Santa Cruz, este atolado em dívidas e buscando vaga na quarta divisão do Campeonato Brasileiro.

À frente da secretaria e de Suape, Bezerra Coelho impressiona pela voracidade com que negocia a atração de investimentos para Pernambuco, chegando a ser chamado de "trator de Eduardo Campos". Sob a sua tutela, o governo trouxe para o Estado mais de 500 empresas nos quatro últimos anos. "Fernando tem uma capacidade de trabalho extraordinária. Ele tem uma necessidade gigantesca de realizar. Simplesmente não para", relata Sileno Guedes, presidente do Porto do Recife e homem de confiança de Eduardo Campos.

O destaque no governo aguçou ainda mais a já aguda ambição política de Bezerra Coelho. Nas últimas eleições, ele desejou muito uma das duas vagas para a disputa ao Senado na chapa do governador. No entanto, os candidatos foram Humberto Costa (PT) e Armando Monteiro Neto (PTB), que acabaram eleitos. Magoado com a recusa, ele recebeu a promessa de que seria agraciado em caso de vitória de Dilma.

Cumprido o prometido, ele chega à Integração Nacional após ter manifestado por diversas vezes desacordo quanto ao projeto de transposição do São Francisco. Sua principal queixa tratava do uso das águas desviadas do rio para projetos de irrigação em outros Estados, em detrimento dos arredores de Petrolina, onde haveria "uma grande fronteira agrícola sem irrigação".

Hoje, no entanto, a opinião mudou. A inclusão do plano de revitalização da Bacia do São Francisco, bem como a garantia da instalação de perímetros de irrigação em Pernambuco e na Bahia, o convenceram da importância do projeto que agora irá comandar. Entre as medidas que pretende tomar como ministro, uma das primeiras será o incentivo à expansão das parcerias público-privadas (PPPs) para a instalação dos perímetros de irrigação. "Hoje sou 100% a favor da transposição", garante Bezerra Coelho.