Título: Cade tem R$ 2 bilhões em multas na dívida ativa da União
Autor: Basile, Juliano
Fonte: Valor Econômico, 23/12/2010, Brasil, p. A4

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) tem mais de R$ 2 bilhões em multas aplicadas contra empresas na dívida ativa da União. Esse valor está em depósitos na Justiça e pode ter dois caminhos. O primeiro é voltar para o caixa das empresas, caso a Justiça considere que as multas foram aplicadas de maneira ilegal. O segundo é ser destinado ao caixa do governo, caso os juízes concluam que as multas foram aplicadas de acordo com a lei.

O Tribunal Regional Federal (TRF) de Brasília deu duas importantes sinalizações a favor do Cade nessa disputa com as empresas. A primeira foi há duas semanas quando, finalmente, foi decidido o caso do cartel do aço - a primeira condenação por cartel do Brasil, que data de 1999 e vinha se arrastando na Justiça.

O TRF de Brasília mandou a Usiminas depositar R$ 52 milhões e a Cosipa, R$ 43 milhões. Ainda não foi julgado o recurso da terceira siderúrgica envolvida no caso - a CSN. Essa decisão, contudo, aumentou a Dívida Ativa da União em R$ 95 milhões.

A segunda sinalização foi que o mesmo TRF, que julga praticamente todos os recursos de empresas contra o Cade, mudou o seu regimento interno e definiu de uma vez por todas como serão decididos esses processos. Até o início deste ano, havia um "jogo de empurra" no tribunal e os casos ficavam pulando entre três seções distintas: a 2ª seção (de infrações administrativas), a 3ª (de direito administrativo) e a 4ª (que decide sobre multas).

Como o Cade toma decisões administrativas e aplica multas às empresas, os desembargadores do TRF tinham dúvidas sobre qual seção deveria julgar esses casos. Eles passavam os processos de uma seção para a outra e os casos de multas contra as empresas simplesmente não estavam sendo julgados.

Esse "jogo de empurra" levou o órgão antitruste a recorrer ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em maio passado, onde pediu que fosse definida uma Seção do TRF para todos os processos de empresas multadas pelo Cade. Após esse recurso, os desembargadores do TRF se reuniram e, em agosto, aprovaram uma emenda ao regimento do tribunal. Essa emenda diz que todos os processos envolvendo pedidos de anulação de atos administrativos (decisões do Cade) devem ser julgados pela 3ª Seção.

"Agora, todos os casos paradigmáticos devem ser resolvidos", comemorou o procurador-geral do órgão antitruste, Gilvandro Araújo. São processos como o das siderúrgicas que foram condenadas por cartel que serão agilizados. Além desse caso, há multas famosas que terão a tramitação acelerada no TRF, como a condenação de empresas por formação de cartel no setor de gases industriais, que somou mais de R$ 2,3 bilhões. Ou a multa de R$ 353 milhões à AmBev por causa de um programa de fidelização de pontos de vendas. Ou o veto à compra da Garotopela Nestlé, que foi determinado em 2004 pelo Cade e ainda aguarda decisão do TRF.

"Com a nova orientação do TRF, todos esses casos vão tramitar mais rapidamente", concluiu Araújo. Isso significa que o tempo entre a empresa depositar os valores em juízo e a decisão final sobre o destino desses valores será menor. Ou seja, os exatos R$ 2.045.223.498,11 em multas aplicadas pelo Cade deverão sair mais rapidamente da Dívida Ativa. Eles podem voltar para o caixa das empresas ou ir para o Fundo de Direitos Difusos - local para onde vão os valores arrecadados pelo órgão antitruste e que, depois, são destinados a projetos em defesa do meio ambiente, do consumidor e do patrimônio público.

Essa arrecadação tende a crescer nos próximos anos, pois, além das disputas judiciais, o órgão antitruste está negociando o pagamento antecipado de multas pelas empresas acusadas de cartel. Com a negociação, a empresa consegue um desconto no que teria de pagar e o Cade evita que ela recorra à Justiça.

As negociações que foram realizadas até julho deste ano deram ao órgão antitruste uma previsão antecipada de valores a receber até 2015. No ano que vem, por exemplo, o Cade já tem R$ 22,6 milhões a receber por conta desses acordos. Para 2012 estão previstos R$ 23,9 milhões. Para 2013 serão R$ 27,3 milhões. Em 2014, deverão chegar pelo menos mais R$ 31,1 milhões e, em 15, R$ 35,8 milhões. Essa previsão foi possível porque as empresas estão receosas de perderem na Justiça e, ao negociar o pagamento com os conselheiros do Cade, pedem para fazer parcelamentos anuais.

"As companhias perceberam que o custo de permanecer discutindo as multas na Justiça será alto. Então, muitas têm nos procurado e propormos um acordo para o juiz homologar", afirmou o presidente interino do Cade, Fernando Furlan. Neste ano, o órgão antitruste recebeu R$ 10 milhões de companhias envolvidas no "cartel das britas" e R$ 5,1 milhões de empresas envolvidas no "cartel dos vigilantes". Em ambos os casos, as companhias não vão recorrer à Justiça.

Entre 2007 e 2010, o Cade fechou acordos que somaram R$ 198 milhões. Para o conselheiro Carlos Ragazzo, os acordos permitem a resolução de problemas e evitam que os processos da área do antitruste se estendam ao Judiciário. "O nosso objetivo não é o de perseguir empresas, mas o de encontrar soluções", resumiu Ragazzo.