Título: Cristiane Lucchesi
Autor: Lucchesi, Cristiane
Fonte: Valor Econômico, 23/12/2010, Finanças, p. C2

Os analistas concordam que um dos principais desafios do governo para 2011 será fazer com que o mercado financeiro passe a confiar no novo Banco Central. A insegurança na capacidade e vontade do novo time de enfrentar o Ministério da Fazenda está longe de ter se dissipado, diz Marco Aurélio Garcia, da MagConsultoria.

A declaração da futura presidente Dilma Rousseff, de que quer baixar os juros reais (descontada a inflação) para 2% ao ano até 2014, causa pesadelos diários a muitos integrantes do mercado. Não são poucos os relatórios e comentários entre integrantes de tesourarias de bancos e de mesa de operações de corretoras defendendo que o BC de agora não é mais o mesmo dos últimos oito anos de governo Lula. Uma nova fase, mais leniente com a inflação, teria começado, segundo esses analistas mais radicais.

Ontem, em uma tentativa de sinalizar claramente ao mercado que não está para brincadeiras, o BC deu um primeiro passo que foi amplamente elogiado. De forma mais explícita, impossível, a autoridade monetária indicou que vai subir os juros básicos Selic em janeiro, confirmando as conversas informais de diretores do BC com bancos. As expectativas de um relatório de inflação mais duro, que puxaram para cima os juros futuros de curto prazo anteontem, foram confirmadas.

BC não compra dólar por causa do baixo volume de negócios

"O Copom (Comitê de Política Monetária) avalia que o balanço de riscos associado ao cenário prospectivo para a inflação evoluiu desfavoravelmente desde a divulgação do último relatório", diz o BC. "Tanto no cenário de referência, quanto no cenário de mercado, as projeções incorporam os efeitos estimados da recente elevação dos compulsórios e de um esforço fiscal. Ainda assim, nos dois casos, os valores projetados se posicionam acima da meta de 4,5% estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional para a inflação em 2011", continua a autoridade monetária.

A conclusão: "Importante destacar que, no regime de metas para a inflação, desvios em relação à meta, na magnitude dos implícitos nessas projeções, sugerem necessidade de implementação, no curto prazo, de ajuste na taxa básica de juros, de forma a conter o descompasso entre o ritmo de expansão da demanda doméstica e a capacidade produtiva da economia, bem como de reforçar a ancoragem das expectativas de inflação." Sinalização mais clara para o mercado não há.

Resultado: os economistas passaram a rever o seu cenário básico para as taxas Selic de 2011 e os juros subiram no mercado futuro. Os contratos para vencimento em abril de 2011, os mais negociados, passaram para 11,11% ao ano, um aumento de 0,07 ponto percentual. O economista-chefe do Banco Schahin, Silvio Campos Neto, disse, em relatório, que "diante do teor bem mais "hawkish" do texto divulgado pelo BC", passou a trabalhar com um cenário principal de alta de 50 pontos-base na taxa Selic em janeiro, mantendo o tamanho do ajuste em 150 pontos, para 12,25% ao final do ciclo de aperto, em abril.

O BC, ao ser explícito dessa forma, ganha mais confiança do mercado financeiro e amplia a credibilidade da política de metas de inflação, que prevê sinalizações claras sobre o rumo a seguir. No entanto, esse foi apenas o primeiro passo. Afinal de contas, discursos não bastam: os participantes do mercado querem ver para crer se o BC vai mesmo manter continuidade na política monetária e na sua autonomia em relação ao Ministério da Fazenda.

Ontem, com o baixo volume no mercado de câmbio, o BC deixou de fazer o leilão diário de compra de dólares no mercado à vista pela primeira vez desde 8 de maio de 2009. No final do dia, o dólar caiu 0,11%, para fechar a R$ 1,696. O crescimento menor do que o esperado no Produto Interno Bruto americano, de 2,6% anuais entre julho e setembro, não teve impactos fortes.