Título: Erros marcaram as estimativas para o índice neste ano
Autor: Monteiro, Luciana; Cutait, Beatriz
Fonte: Valor Econômico, 23/12/2010, Investimentos, p. D4

De São Paulo

Pode-se dizer que quem olhou as projeções dos analistas para o Ibovespa lá em janeiro e resolveu seguí-las cegamente quebrou a cara, ou melhor, o bolso. Faltando apenas nove dias para o fim do ano, o retorno do Índice Bovespa em 2010 pode ser considerado irrisório: queda de 0,17%. Ontem, o indicador encerrou o pregão aos 68.470 pontos. Bem diferente das estimativas traçadas inicialmente para o índice. A maioria projetava um Ibovespa na casa dos 80 mil pontos. Houve até quem arriscasse o índice em 87 mil pontos em dezembro.

Mesmo as projeções traçadas para o Ibovespa em 2009 erraram. Só que para baixo. Naquele ano, as estimativas mais otimistas eram de um índice em 51 mil pontos e o índice acabou encerrando em 68.588 pontos, alta de 82,66%. Depois da crise de 2008, poucos se arriscaram naquele momento a acreditar em uma recuperação tão rápida como a que se viu no ano seguinte.

Neste ano, o retorno do principal referencial da bolsa brasileira não acompanhou o desempenho de alguns papéis ligados ao mercado interno, que trouxeram muitas alegrias ao investidor em 2010. Ações como HeringON, Le Lis BlancON e Lojas MarisaON, por exemplo, acumulam neste ano ganhos superiores a 100%. Nenhuma delas, entretanto, compõem o Índice Bovespa. E foi justamente a empresa com maior peso no indicador a responsável por puxar o Ibovespa para baixo.

As incertezas com relação ao processo de capitalização da Petrobras fizeram com que os investidores preferissem ficar fora da ação. Tanto que as ações ordinárias (ON, com direito a voto) da estatal acumulam queda de 29,43% até ontem, enquanto as preferenciais (PN, sem voto) se desvalorizam 27,40%. E, como a companhia representa 11,77% do Ibovespa, o próprio índice foi castigado.

A Petrobras, com os atrasos do processo de capitalização, e a própria "contaminação política" que a estatal sofreu no período, está entre os fatores que impediram os acertos dos analistas, diz Julio Hegedus, economista-chefe da corretora Interbolsado Brasil. "A questão teve impacto no mercado e não deixou o Ibovespa decolar."

Mas não foi somente a performance de Petrobras que acabou prejudicando as estimativas dos analistas. A fraca perspectiva de recuperação nas economias desenvolvidas também trouxe impacto para a recuperação do setor de siderurgia, ressalta Mônica Araújo, estrategista-chefe da Ativa Corretora. O segmento sofreu pressão por conta da oferta do maior produtor mundial de aço no mundo, a China, o que contribuiu para pressionar para baixo os preços dos papéis, lembra a analista. A Ativa tinha projeção de 82 mil pontos para o Ibovespa neste ano, estimativa que está mantida para dezembro do ano que vem.

Os papéis voltados para o mercado interno e beneficiados pelo aumento das importações responderam rapidamente com performance excelente, ressalta Mônica. "Enquanto os papéis de maior peso no índice, como as "blue chips" ligadas a commodities mostraram fraca recuperação." Apenas a performance das ações da Valemostraram uma dinâmica diferente e contribuíram para minimizar a perda desse grupo, lembra a analista.

O arrefecimento do fluxo de capital estrangeiro na bolsa também ajudou a minar as projeções dos analistas. O aumento da volatilidade dos mercados internacionais por conta da deterioração da situação financeira em alguns bancos europeus - em especial Grécia, Irlanda, Portugal e Espanha - trouxe uma elevação da aversão ao risco. "As alterações promovidas pelo Banco Central na taxação do capital estrangeiro no Brasil gerou uma saída líquida no fluxo de investimento estrangeiros na bolsa (mercado secundário) nos primeiros meses do ano, cujo reflexo foi percebido indiretamente no desempenho do índice", ressalta a Link Investimentos, em relatório.

A corretora lembra que, historicamente, a Bovespa detém uma participação significativa dos negócios realizada por investidores estrangeiros, concentrado nas principais empresas do índice. Com um fluxo mais escasso, o Ibovespa não teve forças para decolar. A Link, que projetava um Ibovespa aos 85 mil pontos em dezembro deste ano, estima agora 83 mil para o fim de 2011.

A crise da dívida soberana na Europa também foi um "empecilho" para o desenvolvimento das bolsas de forma geral, ao longo de 2010, assim como a recuperação ainda frágil da economia americana, lembra Hegedus, da Interbolsa. "O ritmo de crescimento das economias de países desenvolvidos foi mais deteriorado que o imaginado", afirma. "Além disso, a necessidade de se frear a expansão chinesa também nos afetou, por meio das exportações", ressalta.

Mas é preciso ter em mente que os analistas não são pítons, pois lidam com uma ciência inexata e erros vão acontecer nas previsões, ressalta Alexandre Espírito Santo, professor de Finanças da ESPM-RJe economista da Way Investimentos, em alusão aos adivinhos que previam o futuro na antiguidade. "Fazer projeções para o mercado acionário é uma das tarefas mais complexas que existem", diz.

Segundo ele, para se estimar o Ibovespa, que é composto por uma média ponderada de mais de 60 ações, os analistas utilizam, na maior parte das vezes, a metodologia dos múltiplos. Os múltiplos são parâmetros usados para saber se uma ação está cara ou barata. E isso traz distorções, pois o ideal seria usar o fluxo de caixa descontado de cada uma das empresas e ponderá-lo de acordo com o peso da empresa no índice, afirma o professor. "Mas, para fazer isso, é preciso ter uma estrutura muito grande."

A Ágora manteve a expectativa de Ibovespa na casa dos 80 mil pontos desde o início de 2010. Mas, na metade do ano, Marco Antonio Melo, chefe da área da Análise e Pesquisa da Ágora Corretora, diz que começou a ver uma redução do apetite ao risco, em função do desbalanceamento monetário e da crise europeia. "Não foram as empresas que deram errado em 2010, mas o menor apetite ao risco principalmente a partir de abril, que teve forte reflexo na bolsa entre junho e setembro." (LM e BC)