Título: Fundos privados investem em plantio
Autor: Adeodato, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 23/12/2010, Especial, p. F2

No município de Dom Eliseu, no nordeste do Pará, uma das áreas mais devastadas da Amazônia, 68 fazendas de gado e soja estão sendo convertidas em eucalipto e mata nativa, com investimentos já realizados de R$ 300 milhões. Os recursos têm como origem o Vale Florestar, fundo de investimento em participações (FIP) com aporte de R$ 610 milhões, destinado a recobrir áreas degradadas com árvores para exploração econômica de madeira, principalmente para papel e celulose, e transações futuras com crédito de carbono.

"O projeto é atrair investimentos de longo prazo, valorizar a floresta e contribuir para mudar a cultura local, historicamente focada no desmatamento", justifica José Flávio Alves, diretor operacional do fundo, mantido pela Vale, Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES) e fundos de pensão dos funcionários da Caixa Econômica Federal(Funcef) e da Petrobras(Petros). Foram plantados até o momento 29,8 mil hectares, somando 33 milhões de mudas de eucalipto e também de espécies nativas como paricá, castanheira e seringueira. Para cada hectare cultivado, dois são conservados para regeneração natural da floresta. Até 2022, a estratégia é reflorestar 150 mil hectares, o que proporcionaria 300 mil hectares protegidos como reserva legal e áreas de preservação permanente (APP), como beira de rios e topo de morros.

As propriedades rurais são arrendadas por 15 anos, consumindo R$ 9,5 milhões anuais de investimento por parte do fundo, remunerado pela receita da venda de madeira. O produto começará a ser comercializado em 2014, no ritmo de 40 metros cúbicos por hectare ao ano, em ciclos de corte de sete anos. Até 2028, a estimativa é de uma produção acumulada de 35 milhões de metros cúbicos. "No primeiro ano de exploração, o fundo terá uma taxa interna de retorno de 14% para divisão entre os cotistas, sendo que a maior parcela do retorno financeiro permanecerá em caixa para reinvestimento", informa Alves. "Áreas degradadas estão sendo revitalizadas por atividades mais sustentáveis", destaca Otávio Lobão, chefe do departamento de operações de meio ambiente do BNDES, que tem participação de 25% no negócio, investindo até agora R$ 60 milhões, além dos R$ 274 milhões alocados pela Vale. Após essa primeira experiência no setor, o banco decidiu iniciar operações com manejo em floresta nativa na Amazônia. "É um segmento novo e envolve riscos, embora tenha taxas de retorno maiores que o eucalipto", diz Lobão. "O cenário de regulação, com possíveis avanços para a segurança fundiária, é muito favorável a investimentos."

"Na Amazônia, é maior a disponibilidade de terras, com preços menores, uma vantagem competitiva para o setor florestal", analisa Paulo Corchaki, diretor de investimentos do Banco Itaú. Enquanto nos EUA o preço médio do hectare é de US$ 5,3 mil, no Brasil gira em torno de R$ 4,5 mil. O banco mantém o Fundo Ecomudança, na categoria DI - uma carteira de R$ 238 milhões, que reúne 7 mil cotistas e investe 30% da taxa de administração em projetos de redução de gases do efeito estufa. Em 2011, o fundo beneficiará também projetos de exploração florestal.

"Devido à baixa volatilidade, o investimento em floresta é mais calmo e, como não tem correlação com outros ativos, imune a crises globais", afirma o executivo. Ele argumenta que o crescimento das árvores acontece independentemente das variáveis econômicas. "A madeira pode ser estocada para se administrar flutuações de preço", diz. Nos países desenvolvidos, o retorno médio do investimento em floresta é de 14,6% ao ano.

O gargalo para o crescimento, segundo Corchaki, está no perfil do fluxo de caixa, que exige alto investimento inicial (R$ 5 mil por hectare para eucalipto e R$ 10 mil para nativa) e prazo de maturação. "Mas, com a perspectiva financeira dos serviços ambientais e créditos de carbono, as operações florestais passarão a auferir ganhos desde o início dos projetos - e não somente nos ciclos de corte de madeira."

Para suprir a demanda estimada por madeira de plantio comercial até 2020, o país precisará pelo menos duplicar a atual área produtiva, segundo dados apresentados por Corchaki. No rastro desse mercado, diante do declínio dos aportes públicos e da necessidade de aumento dos recursos privados, os fundos de investimento chegam para ocupar espaço.

"A estratégia é garantir matéria-prima à indústria, que deixa de gerir floresta e passa a focar investimentos e energia em seu negócio principal", diz Eduardo Barreto, articulador do FIP Caixa BRWoods Florestal. Os contratos de fornecimento são de longo prazo, até 28 anos, com mecanismos de fixação de preço, como o plantio empreendido pela Klabin com participação de fundos europeus. De acordo com Barreto, "essa é uma tendência natural para o Brasil, cujas florestas comerciais são propriedades de empresas". Ele enfatiza: "Fundos internacionais estão se mobilizando para reunir capital com foco nas florestas brasileiras."