Título: A estratégia da AL para lidar com a Ásia
Autor: Leo, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 27/12/2010, Brasil, p. A2

A América Latina foi a terceira região, logo após a Europa do Leste e a Europa Ocidental, a embarcar em acordos preferenciais de comércio, ainda nos anos 50. Mais de meio século e muitas promessas e discursos depois, os países da região ainda ensaiam projetos de integração econômica. Enquanto isso, os países da Ásia reforçaram a complementaridade entre suas economias, ganharam competitividade, e são, hoje, vistos pelos países latino-americanos como ameaça aos produtores locais. Sobra na Ásia o que falta na América Latina: clareza sobre os motivos para acordos preferenciais de comércio. É o que aponta o economista Renato Baumann, especialista em temas latino-americanos.

Até recentemente representante da Cepal para o Brasil, Baumann, hoje no Banco Mundial, publica em breve, seu estudo "Regional Trade and Growth in Asia and Latin America: the Importance of Productive Complementarity" (Comércio Regional e Crescimento na Ásia e na América Latina: a Importância da Complementariedade Produtiva) , onde explicita as diferenças nos processos de integração comercial das duas regiões, e indica o que teria de mudar nas estratégias latino-americanas para se beneficiarem das lições do êxito asiático.

Uma das lições, aliás, é olhar com cuidado esse "êxito", que não está isento de críticas. Assim como no México com suas maquiladoras, a Ásia, que se tornou uma máquina exportadora, enfrenta problemas de concentração da atividade industrial voltada à exportação em poucas sub-regiões, e dúvidas sobre o real efeito de distribuição de riqueza nos países onde é inquestionável o crescimento econômico trazido pela integração das indústrias dos diversos países.

Um dos problemas do processo de integração comercial na América Latina, diz Baumann, é o fato de que ele é impulsionado principalmente por motivações políticas, visto como sinônimo de integração regional e dependente da assinatura de tratados formais. Baumann lembra que há evidências de que fatores como infraestrutura apropriada e conveniente clima de negócios são mais importantes para fomentar laços comerciais que a assinatura de acordos formais.

Não é possível simplesmente imitar o modelo asiático

Um fator importante para o êxito asiático, segundo Baumann, é a grande proporção de bens intermediários e de capital (máquinas e equipamentos) no comércio entre os países da região. Boa parte das receitas obtidas com a exportação, de bens finais ou intermediários, é usada para a importação de mercadorias da própria região, onde países como a China, o Japão, a Índia e a Coreia servem de "eixo" para um conjunto de outros países asiáticos, alguns dos quais rapidamente adquiriram capacidade industrial e tecnológica para atuar como fornecedores nas fragmentadas cadeias de produção regionais.

Na América Latina não é tão notável esse "multiplicador regional", em que os ganhos de alguns países com exportação servem para impulsionar compras em outros da mesma região. Atualmente, os países latino-americanos enfrentam ainda outro obstáculo à integração comercial, acredita Baumann: defendidos por interesses políticos, governamentais, os acordos de integração não têm, como no passado, um objetivo muito claro, do ponto de vista dos agentes econômicos envolvidos.

Nos anos 50 e 60, lembra o economista, a integração regional era vista como uma estratégia para facilitar a industrialização e reagir à deterioração dos termos de troca dos países menos desenvolvidos. Nos anos 80, a abertura foi considerada uma forma de estimular o comércio e a ocupação de capacidade industrial; nos anos 90, uma maneira de estimular competitividade e combater pressões inflacionárias. Com o atual cenário de livre movimentação de capitais e oscilações nas cotações das moedas, a falta de resultados das últimas décadas só reduz a disposição dos agentes econômicos em fazer concessões para ampliar a integração comercial.

Para o economista, a simples imitação do modelo asiático não se aplica à América Latina, dadas as diferenças entre as duas regiões - os asiáticos mais dotados de mão de obra barata; os latino-americanos ricos em recursos naturais, por exemplo. Estratégias para estimular a competitividade latino-americana devem ser baseadas menos na produção de bens intensivos em trabalho e mais em recursos naturais e progresso tecnológico.

É a Ásia, integrada, e não somente a China, o grande competidor internacional, mostra o trabalho de Baumann. A integração econômica, como aponta o exemplo asiático, é também desejável para a América Latina, como maneira de aumentar a competitividade da região. Mas vencer ceticismo e resistências exigirá mudanças, como deixar de ver os acordos bilaterais como mera oportunidade de acesso ao mercado dos parceiros, e mirar a associação para alcançar terceiros mercados e enfrentar competidores de fora da região.

Serão necessárias também medidas de apoio aos países mais atrasados e, sobretudo, enfatizar o aspecto econômico-comercial dos acordos, em vez de ceder à tentação de diluí-los em vagos, ainda que meritórios, propósitos políticos e culturais.

Sergio Leo é repórter especial em Brasília e escreve às segundas-feiras