Título: Incertezas marcam projeções para 2011
Autor: Bittencourt, Angela
Fonte: Valor Econômico, 27/12/2010, Brasil, p. A4

Conjuntura: Analistas torcem por um ajuste fiscal que ajude a segurar a demanda e, assim, contenha a inflação

O mercado embarca em 2011 flertando com desaceleração da atividade, inflação plantada em 5% e escapando do centro da meta, perspectiva de alta dos juros, aumento do déficit em conta corrente, e torcida por algum controle de gasto público. Mas tudo pode mudar. As projeções atuais estão sujeitas a guinadas como as que ocorreram este ano, marcado por solavancos externos e domésticos que exigiram jogo de cintura de analistas e autoridades monetárias.

"Mais do que variáveis, o que mudou foi o paradigma da economia", explica Luis Otavio de Souza Leal, economista-chefe do Banco ABC Brasil. "A geração que hoje está no mercado financeiro não viu crise semelhante à de 2008/2009. Os modelos econômicos viraram de pernas para o ar. O mercado entrou em voo cego lá fora e aqui. Todos os paradigmas foram por água abaixo. Vai demandar tempo para que tudo se acalme. Não dá para enxergar 2011 muito diferente de 2010, porque as incertezas continuam. E no Brasil tivemos, adicionalmente, problemas de comunicação do Banco Central com os mercados."

Para Mônica Baumgarten de Bolle, diretora da Casa das Garças e sócia da Galanto Consultoria, as reviravoltas repentinas e fortes no cenário internacional foram decisivas para as mudanças de cenário no Brasil. "O ano começou com expectativa de normalização nos mercados internacionais, mas em abril passou o trem-bala da Grécia e mudou tudo. O BC do Brasil iniciou um ciclo de aperto monetário que durou três meses. Foi iniciado num timing ruim por conta de eventos sobre os quais o governo brasileiro não tem controle. O aperto ocorreu e o cenário externo virou. As mudanças foram súbitas e se manifestaram nas projeções dos principais indicadores macroeconômicos do país. E é fato que tivemos nosso próprio ciclo de mudanças, com dúvidas sobre as eleições e os rumos da economia", avalia a economista que vê, neste fim de ano, outra reviravolta do cenário externo.

Ela pondera que o presidente americano, Barack Obama, conseguiu fazer uma articulação política que não parecia possível e conseguiu também garantir estímulos importantes para a economia nos próximos dois anos. "Portanto, ainda que a Europa seja uma ameaça, começamos o ano com perspectivas melhores para os EUA", comenta Mônica, que destaca o fato de a frouxidão monetária nos EUA e no mundo ter levado à mudança no comportamento das commodities que se tornou fonte de aceleração inflacionária. "Nossa inflação levou esse choque, mas também tem sido influenciada por demanda e gastos do governo. Essa evolução alterou perspectivas, projeções ao longo do tempo", explica.

Maristella Ansanelli, economista-chefe do Banco Fibra, também vê a forte demanda doméstica levando a revisões nas projeções de crescimento econômico e de inflação. "As mudanças ocorreram, sendo fruto da política fiscal expansionista ou de medidas parafiscais, como operações de crédito de bancos públicos, atuação do BNDES e gastos correntes do governo. Os estímulos foram maiores do que o esperado e também estendidos por mais tempo do que se esperava e do que deveria. As medidas anticíclicas foram ficando e o resultado está aí. Neste momento, projetamos, por exemplo, elevação da Selic em 2 pontos percentuais em 2011, o que levaria a inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) a 5,5% no ano. Mas se o aperto monetário não ocorrer, o cenário já será diferente. As questões são muitas e as respostas nem sempre aquelas esperadas. Pouco sabemos sobre o comportamento das commodities. Poderão subir mais? Teremos mais medidas macroprudenciais em 2011? Mais juro? Algum ajuste fiscal ocorrerá? A última ata do Copom não deixou nada claro."

Para Maristella, a grande questão em pauta, em 2011, é a inflação e as avaliações dependerão, no tempo, de como o BC vai lidar com ela. Tatiana Pinheiro, economista do Santander, tem opinião semelhante. Ela explica que em termos práticos, sem catástrofes externas - que acredita que não ocorrerão -, a questão central a ser discutida no país é a inflação que vai se provar resistente no patamar de 5%.

"Será difícil combater a inércia, especialmente quando se considera o fato de os IGPs encerrarem 2010 na casa de 11%. Os IGPs ainda afetam contratos importantes na economia e com repercussão em outros preços e em expectativas. Não está claro como o BC vai lidar com essa resistência dos preços. A expectativa é de contração de gastos que resultem em superávit primário da ordem de 3% do Produto Interno Bruto (PIB). Mas se isso não ocorrer, resta saber de que forma a política monetária será conduzida para fazer a convergência da inflação para a meta. E de que forma essa resistência afetará as projeções dos principais indicadores macroeconômicos", diz Tatiana.

A economista do Santander lembra que, em 2010, o mercado viveu um intenso vaivém de expectativas. "Também tivemos choque de demanda que, inicialmente, o mercado acreditava que seria combatido integralmente. E, na prática, foi combatido parcialmente. Sinal de que nem tudo saiu do lugar é a inflação de serviços, que começou o ano em 7% e está terminando o ano em 7%. O mercado também subestimou os efeitos das medidas fiscais adotadas em 2009 para atenuar os efeitos mais profundos da crise. Não se esperava tampouco a expansão dos gastos públicos na dimensão em que ocorreu em 2010. A taxa de juro é outro exemplo de idas e vindas. Hoje, ela não é muito diferente do que se projetava no início do ano, mas o cenário foi alterado muitas vezes. E alguns sinais foram equivocados", diz.

Mônica Baumgarten de Bolle, da Galanto, pondera que não dá para receber 2011 pensando que será tranquilo. "Estamos longe de sair do alto grau de incerteza no mercado internacional. Para o Brasil isso importa relativamente pouco, até porque o cenário externo não vai ajudar a inflação brasileira. E nosso ponto de partida deveria ser controlar os desequilíbrios internos, com foco no aumento do consumo relacionado ao crédito e à política fiscal. A expectativa é que algum ajuste fiscal venha a desacelerar as despesas públicas, que o aperto monetário seja retomado e se dê maior atenção ao crescimento do crédito público. O crédito público entrou em segmentos ao consumidor, o que não faz sentido, e vem alimentando a demanda. O endividamento das famílias não cresceu loucamente apenas por aumento de renda e oferta de trabalho. O crédito pesou e pesa muito. E exatamente por essa razão o BC instituiu medidas macroprudenciais e aumento de compulsório no início do mês. Mas não é razoável imaginar que essas medidas equivalem a um aumento de juro. As medidas podem restringir a liquidez, mas ninguém sabe efetivamente medir seu impacto na equivalência em taxa de juro. O erro pode ser grande."