Título: Sem Quércia, Temer amplia poder sobre diretório paulista do PMDB
Autor: Agostine, Cristiane
Fonte: Valor Econômico, 27/12/2010, Politica, p. A8

A morte do presidente do PMDB de São Paulo e ex-governador Orestes Quércia antecipa a discussão sobre a troca do comando do diretório paulista. Sem um dos principais líderes da oposição ao lulismo em São Paulo, o vice-presidente eleito, Michel Temer, deverá controlar o partido no Estado e isolar o grupo resistente ao governo federal.

Aos 72 anos, Quércia morreu na manhã de sexta-feira, vítima de um câncer na próstata, e foi enterrado no sábado. O ex-governador havia combatido o câncer há 10 anos e desde setembro estava sob tratamento.

A doença fez com que Quércia desistisse de concorrer ao Senado por São Paulo neste ano, mas ele optou por não deixar a presidência do diretório paulista. O mandato só terminaria no fim de 2011 e aliados de Quércia resistiram à troca no comando partidário, com receio de serem enfraquecidos pelo grupo de Temer.

O dia a dia do PMDB de São Paulo ficou, no entanto, com um aliado de Temer, o vice-presidente do diretório e deputado Jorge Caruso. O dirigente deve convocar, no início de 2011, uma reunião de Executiva para definir a eleição para o cargo.

Sob o comando de Quércia, o diretório paulista transformou-se em um reduto de oposição a Temer. Em 2002, o ex-governador apoiou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva quando o nacional estava com José Serra (PSDB) na disputa pela Presidência. O apoio ao PT rendeu ao PMDB paulista a participação no governo, como a indicação do prefeito de Araraquara, Marcelo Barbieri, um dos principais aliados de Quércia, para participar da Casa Civil, com o então ministro José Dirceu. Neste ano, Quércia decidiu fechar com Serra, contrariando decisão do diretório nacional, que era de apoiar a petista Dilma Rousseff, com Temer como vice.

Temer e seus aliados, como o ministro da Agricultura, Wagner Rossi, já haviam tentado destituir Quércia do diretório de São Paulo, por meio de intervenção, mas o ex-governador recorreu à Justiça para manter-se no cargo.

Na Vice-Presidência da República e no controle do PMDB nacional, Temer e seu grupo trabalhavam novamente para isolar os quercistas. Depois das eleições nacionais, ele anunciou sua pretensão de expulsar os dissidentes do partido que não cumprirem as decisões do diretório nacional - medida que atingiria Quércia e seus aliados. Em paralelo, o vice-presidente eleito negocia a migração do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab (DEM), para o partido. Seria uma outra forma de enfraquecer os quercistas, já que Kassab teria forte influência nas decisões do diretório de São Paulo.

Um dos mais cotados para assumir o lugar de Quércia é o deputado estadual Baleia Rossi, filho de Wagner Rossi - indicado por Temer para o Ministério da Agricultura nos governos Lula e Dilma.

A trajetória política do pemedebista esteve sempre acompanhada pela atuação empresarial. Quércia presidia as Organizações Sol Panamby, que controla empresas nos setores imobiliário, de comunicações, de agronegócio e de administração comercial. Entre os investimentos estão o Centro Empresarial de São Paulo, a rede de shopping centers Jaraguá, a Panamby Empreendimentos e a Sol Invest Empreendimentos. Na área de comunicação estão a "TVB", emissora afiliada do SBT na região de Campinas e Santos (SP), a rede nacional de rádio "Nova Brasil FM", o jornal "DCI" e o Portal "Panorama do Brasil".

Ao longo de sua carreira, o pemedebista acumulou um patrimônio de mais de R$ 117, 4 milhões - valor declarado ao Tribunal Superior Eleitoral em 2010. Na declaração de bens constam fazendas e mais de R$ 1 milhão em espécie.

Na política, Quércia sempre esteve sempre envolvido em polêmicas. As passagens pela Prefeitura de Campinas, no interior de São Paulo, e pelo governo paulista renderam-lhe acusações de irregularidades administrativas que levaram até mesmo ao bloqueio de seus bens pela Justiça.

Nascido em Pedregulho, no interior paulista, Quércia construiu sua carreira política a partir de Campinas. Foi vereador, deputado estadual e prefeito, filiado ao MDB. Em 1973, dez anos depois de começar a atuação política, trabalhou na fundação de diretórios do partido em todo o interior de São Paulo. Foi assim que construiu sua base política. O resultado da peregrinação pelo Estado foi registrado nas urnas: obteve uma votação consagradora ao concorrer ao Senado.

Como senador, tentou mudar dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e da Lei de Segurança Nacional, mas não conseguiu. Paralelamente à vida política, começou a investir em empresas de comunicação e fundar jornais. Ainda como estudante de Direito, foi repórter, diretor de um jornal acadêmico e, posteriormente, locutor.

No início dos anos 80, Quércia tentou lançar-se ao governo do Estado, mas em negociação com o partido terminou como vice de André Franco Montoro. Vitorioso, fortaleceu-se dentro do PMDB no interior. Instalou 300 diretórios do partido, controlando 75% da legenda, e implantou em 18 Estados a Frente Municipalista, com mais de mil prefeitos. Em 1985, rompeu com Montoro e lançou-se candidato à sucessão.

A construção de sua base política no interior rendeu a Quércia o apelido de "caipira fisiológico", dado por integrantes da cúpula do PMDB. Ele foi o primeiro governador a chegar ao Palácio dos Bandeirantes por uma rede construída no interior paulista.

Em 1987, assumiu o governo paulista e logo começaram os problemas envolvendo sua gestão. Dois meses depois de começar o mandato, viu um de seus mais antigos auxiliares, Otávio Ceccato, envolvido no escândalo do rombo no Banespa.

Para complicar ainda mais a situação de Quércia, naquela época o partido perdeu centenas de filiados, que fundaram o PSDB, descontentes, sobretudo, com o então governador. André Franco Montoro foi um dos líderes do movimento migratório dos pemedebistas e Quércia foi considerado um dos principais responsáveis pela cisão partidária.

Em 1989, lideranças paulistas do PMDB lançaram Quércia à Presidência, mas ele preferiu continuar no mandato como governador e declarou apoio a Ulysses Guimarães. Sua a gestão ficou conhecida por "governar é construir estrada". Em 1990, Quércia apoiou como seu sucessor Luiz Antonio Fleury Filho, que derrotou Paulo Maluf (PP). Assim, o pemedebista viu sua liderança política reforçar-se.

Ao terminar o mandato, em 1991, assumiu a presidência do PMDB, no lugar de Ulysses Guimarães. A passagem pelo comando partidário foi conturbada. Quércia era alvo de constantes denúncias de irregularidades, decorrentes de sua passagem pelo governo paulista, e dirigentes do PMDB que isso atrapalhava a negociação do partido com outras legendas.

Em 1994 lançou-se candidato à Presidência da República, mas o partido abandonou-o em diversos Estados e Quércia terminou em quarto lugar atrás de Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva e Enéas Carneiro (Prona), morto em 2007.

Derrotado nacionalmente, passou a disputar poder em São Paulo com seu ex-aliado Fleury Filho. No ano seguinte, na renovação dos diretórios partidários nos municípios, retomou a maior parte do partido.

Em 1998, disputou o comando do Estado, mas foi derrotado por Mário Covas (PSDB). Em 2002 e 2006 candidatou-se ao Senado e ao governo paulista, respectivamente: novas derrotas. Em 2008 articulou sua reaproximação com o PSDB e José Serra. Na aliança com Gilberto Kassab (DEM) na disputa pela Prefeitura de São Paulo, indicou a vice, Alda Marco Antonio, e deu ao candidato o maior tempo de televisão. A condição era obter apoio para disputar o Senado em 2010. O apoio a Serra azedou ainda mais a relação com Michel Temer.

Há pelo menos quatro meses Quércia estava afastado do cotidiano partidário para tratar do câncer. Antes do início da campanha eleitoral, em janeiro, submeteu-se a uma cirurgia para tratar de uma hérnia de disco. O pemedebista lançou-se à disputa pelo Senado, com o apoio do PSDB, mas desistiu em setembro, quando começou o tratamento contra o câncer.

Casado desde 1985 com Alaíde Cristina Barbosa, Quércia deixa quatro filhos.