Título: Ave Tombini! - res, non verba
Autor: Saddi, Jairo
Fonte: Valor Econômico, 27/12/2010, Opinião, p. A11

A adaptação da saudação romana ao novo presidente-indicado ao Banco Central (BC), Alexandre Tombini, neste artigo, é sucedida do provérbio "ações, não palavras". Como se sabe, ainda há grande espaço para o discurso na política - mesmo a afirmação sobre a autonomia operacional foi recheada de locuções verbais intensas ("Não há como ter falado diferente, não há meia autonomia, mas autonomia total") e outras promessas ousadas (como trazer a taxa de juros reais próxima a 2% ao ano); no entanto, a política precisa de credibilidade para se provar, os fatos não necessariamente.

Por todo o discurso, mas pelos fatos também, não há como negar um voto de confiança a Tombini. Sua agenda de tarefas será cheia e seu mandato, que se inicia em 2011, será histórico por várias razões, mesmo que repleto de desafios.

Primeiro, está a defesa da própria instituição, Banco Central. Muitos críticos alegam que a escolha gerou um movimento de tensão desnecessária, numa leitura precipitada e equivocada de que teríamos uma Fazenda forte e um Banco Central fraco. Desfeita a impressão inicial e rechaçada a imagem de que o BC será um cordeiro perante a Fazenda ("o gaúcho é dureza", afirmou Henrique Meirelles sobre o sucessor), o Instituto Internacional de Finanças (IIF) veio a público para prognosticar que a "firmeza e independência" do futuro presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, "serão testadas logo que assumir o cargo, diante do aumento da inflação no país, que se aproxima de 6% até o final do ano".

Para o IIF, presidido por Josef Ackerman, do Deutsche Bank, Tombini precisará aumentar as taxas de juros rapidamente para estabelecer suas credenciais de arqui-inimigo da inflação. "O desafio para Tombini será reunir apoio suficiente para manter a (influência) política fora da política monetária e assim preservar a credibilidade duramente conquistada pela autoridade monetária." E ainda: "Um oportuno aperto da política monetária é fundamental para (Tombini) estabelecer sua forte credencial anti-inflação e retomar a expectativa da meta inflacionária de 4,5%", segundo o IIF em nota a seus membros, obtida por este matutino, Valor Econômico.

Muitos têm afirmado que a presidente eleita Dilma Rousseff deveria declarar a autonomia do BC por meio de uma lei. Se a simples criação de um banco central autônomo não garante a estabilidade da moeda, a experiência histórica torna cristalino que a ausência de um dispositivo legal, que dê à autoridade monetária um mínimo de liberdade para condução da política monetária, permite desastrosas ingerências por parte do poder executivo em assuntos monetários.

Ou seja, a presença do requisito da autonomia na lei não é suficiente para garantir a boa disciplina da moeda, mas sua ausência para a autoridade monetária pode ser pior. A simples presença de um dispositivo legal não determina a autonomia do Banco Central, no entanto, a ausência de qualquer provisão legal é pior.

Além da sua função primordial, que é defender o valor da moeda, Tombini terá que enfrentar um novo e inusitado cenário, em que os mercados financeiros apresentam um índice de instabilidade potencial infinitamente maior do que em outras épocas. Às novas tradições, as instituições financeiras estão sendo estabelecidas e pautadas pelas constantes mutações de um ambiente hostil e incerto.

O acordo Basileia 3 terá mais dificuldades de implementação do que já teve na sua formulação e harmonizar os vários interesses conflitantes entre países e grandes instituições financeiras não é tarefa trivial. Da mesma forma, redesenhar a regulação prudencial interna para permitir o desenvolvimento do crédito também é tarefa maior.

Finalmente, algumas observações sobre a especialidade do Banco Central. Já se retiraram das atribuições do Banco Central mecanismos de fomento e de desenvolvimento e, ainda, sua ascensão sobre o mercado de capitais. Progressos como a separação das contas e das atividades com o Banco do Brasil (BB) também ocorreram e merecem registro. Permanecem, no entanto, algumas funções divorciadas de sua verdadeira vocação, como o poder de liquidação extrajudicial, variações do poder de polícia e, portanto, estranhas ao verdadeiro objetivo de um banco central.

A solução recente do caso do Banco PanAmericano mostra a necessidade de um arcabouço institucional melhor.

Desejar bom agouro ao presidente indicado, Alexandre Tombini, é portanto obrigação de cidadania. Que ele tenha sabedoria e serenidade na condução de seu mandato.

Jairo Saddi , doutor em Direito Econômico (USP) com pós-doutorado pela Universidade Oxford, é professor e coordenador geral do Curso de Direito do Insper. Árbitro da Câmara de Arbitragem da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiros e de Capitais (Anbima).