Título: Não ouvidos no G-20
Autor: Cardenas, Mauricio ; Carranza, Luis
Fonte: Valor Econômico, 27/12/2010, Opinião, p. A11
Seul expôs profunda divisão.
A coordenação econômica internacional é tão necessária quanto é ilusória. Durante a crise financeira global, o G-20, grupo das 19 economias mais importantes mais a União Europeia, tornou-se o principal fórum para pactuar princípios básicos em áreas como a resposta político-fiscal e o papel do Fundo Monetário Internacional (FMI). Ao sublinhar a necessidade de evitar protecionismo no comércio mundial e políticas que favoreçam países em detrimento de outros, a instituição também exerceu alguma pressão sobre os governos no tocante ao que não fazer. Nessas questões, o G-20 claramente representou um passo adiante.
Nos últimos tempos, no entanto, à medida que o G-20 tentou reconciliar interesses econômicos nacionais e estratégias de recuperação divergentes, foi muito menos bem-sucedido em relação aos seus encontros iniciais em Washington e Londres em 2009. Na verdade, a cúpula do G-20 em Seul, no começo de novembro expôs uma profunda divisão.
Desequilíbrios globais e desalinhamentos cambiais têm o potencial de fazer naufragar a recuperação global e empurrar o mundo para o atoleiro protecionista. A maioria dos países sofreria, mas países apanhados no meio poderão sofrer mais. Hoje, as economias emergentes da América Latina poderiam se tornar parte das primeiras vítimas no fogo cruzado econômico entre Estados Unidos e China.
Consideremos Colômbia, Chile e Peru. Essas economias enfrentam dois graves problemas. O primeiro é a enxurrada de capital de curto prazo fluindo na sua direção. Se alguma vez já restou alguma dúvida, os eventos dos anos recentes deveriam ter reforçado a lição de que excesso de capital à caça de rendimento de curto prazo pode distorcer taxas de câmbio e preços de ativos, conduzindo potencialmente à catástrofe financeira.
A "recommoditização" da América Latina tem causas que vão além das políticas cambiais da China. Mas está ficando cada vez mais difícil para as fábricas na região se manterem em atividade em condições de fraca demanda global e moedas locais fortes.
Países beneficiários podem tentar impor barreiras, mas o tsunami de liquidez ameaça se abater sobre eles. A depreciação do dólar americano arquitetada pelo banco central dos Estados Unidos parece uma proposição atraente do ponto de vista americano, mas as economias da América Latina não podem e não deveriam suportar o fardo do realinhamento do dólar.
Depois há a China. A relutância das autoridades chinesas de permitir que o yuan se aprecie desacelera o reequilíbrio global e retarda o crescimento do mundo. As exportações da América Latina estão entre as vítimas. A subavaliação do yuan também levou a América Latina a reduzir a sua cota na exportação global de produtos manufaturados e a se tornar ainda mais especializada em matérias-primas.
Como uma consequência da queda prematura do setor manufatureiro, a taxa de desemprego é elevada em muitos países latino-americanos. Certamente, a "re-commoditização" da América Latina tem causas que vão além das políticas cambiais da China. Mas está ficando cada vez mais difícil para as fábricas na região se manterem em atividade em condições de fraca demanda global e moedas locais fortes.
Esses temas deveriam ser postos sobre a mesa pelos membros latino-americanos do G-20 - Argentina, Brasil e México. Mas países como Argentina e Brasil temem retaliação dirigida às suas exportações de commodities. Por exemplo, a Argentina está preocupada em manter o mercado chinês aberto para o óleo de soja, depois dele ter sido fechado no começo do ano. O Brasil já disse que não tem nenhum tema a suscitar com a China, que recentemente se tornou o seu maior mercado externo.
No outro extremo está o México, onde a concorrência com a China é acirrada. Tanto por convicção como por conveniência, o México invariavelmente toma o lado de Washington e aponta para o câmbio subvalorizado da China como a causa da sua estagnação econômica.
Colômbia, Chile e Peru têm uma população combinada de quase 100 milhões de pessoas e um PIB total de mais de US$ 600 bilhões. Seus sistemas financeiros seguros, sólidas estruturas fiscais, baixa dívida pública e rigorosa aderência a metas de inflação lhes conferem credibilidade. No propósito de reduzir sua dependência das commodities eles também assinaram tratados de livre comércio com os EUA (inexplicavemente não aprovados pelo Congresso dos EUA no caso da Colômbia).
Esses três países estão, portanto, numa posição singular para exigir que o G-20 não permita que EUA e China persigam políticas que favorecem países em detrimento de outros, que representam uma grande ameaça à estabilidade econômica global. O problema é que Colômbia, Chile e Peru não são membros do G-20.
Se o G-20 quiser ter um papel preponderante no processo decisório global pós-crise, a questão da legitimidade em relação aos países emergentes menores precisa ser abordada agora. Se os países não forem adequadamente representados, a coordenação econômica internacional retornará, por falta da outra opção, às instituições multilaterais, onde pouco avançou nos anos que antecederam a crise.
Nós propomos mudar o status quo, permitindo que esses países assumam uma cadeira rotativa à mesa do G-20. Eles podem ajudar a dirigir o mundo rumo à coordenação e podem impedir que muitas economias emergentes se transformem em vítimas inocentes nas guerras de outros povos.
Mauricio Cardenas , foi ministro do Desenvolvimento Econômico e dos Transporte da Colômbia.
Luis Carranza foi ministro de Finanças do Peru.