Título: Projeto de anistia agita private banks
Autor: Monteiro, Luciana ; Pavini, Angelo
Fonte: Valor Econômico, 27/12/2010, Investimentos, p. D3

A possibilidade de que os investidores tenham uma anistia para regularizar a situação de recursos não declarados mantidos no exterior está agitando o mercado de gestão de fortunas no país. Como a expectativa é de que boa parte desse dinheiro seja internalizado, abre-se um filão para os private banks. Conforme antecipou o Valorna semana passada, o projeto do senador Delcídio Amaral (PT-MS) prevê que as pessoas físicas e jurídicas poderão regularizar recursos não declarados que estão no exterior pagando uma alíquota menor. E o melhor: sem o risco de um processo criminal. A intenção é que a repatriação já possa ser feita na declaração de imposto de renda de 2011 (ano-base 2010). O projeto de lei ainda depende de votação, mas a expectativa é de que ele seja aprovado no Senado no início do ano e, em seguida, enviado à Câmara dos Deputados.

Caso o projeto seja realmente aprovado como está, a recomendação para quem tem dinheiro não declarado lá fora é de que regularize a situação, pois esta pode ser uma oportunidade única, diz Samir Choaib, sócio do escritório Choaib Paiva e Justo Advogados, que presta serviços para muitos private banks do país.

De acordo com o projeto, o imposto a ser pago será de 5% a 10% sobre o valor repatriado. "É uma alíquota que vai sair até barato para quem está nessa situação", diz Choaib. Isso porque, sem o projeto, o investidor que quiser regularizar a situação tem de retificar as últimas cinco declarações de imposto de renda e pagar os impostos referentes a esse período. Se os recursos forem provenientes de renda, a alíquota é de 27,5%, mas juros da Selic, além de multa. Isso significa uma fatia de cerca de 60% do valor repatriado. "Ainda assim, mesmo que a pessoa pague, não resolve a parte criminal", afirma.

Pelo projeto, extingue-se a chamada punibilidade de crimes contra a ordem tributária, econômica, de descaminho, falsidades, previdência social e sistema financeiro. A intenção é estimular o retorno dos recursos, estimados entre US$ 50 bilhões e US$ 100 bilhões. Executivos do setor, no entanto, acreditam que o valor é bem maior e alguns chegam a calcular mais de US$ 200 bilhões não declarados.

A pessoa será incentivada a investir em infraestrutura, habitação, agronegócio e ciência e tecnologia. Nesses casos, o imposto a ser pago cairá pela metade. Faz todo sentido trazer os recursos para o Brasil neste momento, em função da estabilidade do país e das oportunidades tanto em renda fixa quanto variável, diz um executivo da área de gestão de fortunas. "E mesmo para o mercado de "wealth management" é bastante interessante, pois traz um volume novo", afirma ele, lembrando que hoje esses clientes não são atendidos por empresas brasileiras.

Em geral, a maior parte do dinheiro não declarado está nos tradicionais bancos europeus - com destaque para os suíços - ou americanos, que mantêm estruturas especiais para atender os clientes latinos, principalmente os brasileiros. Esses bancos contam, inclusive, com equipes de profissionais brasileiros sediadas no exterior para esse atendimento. A regularização facilitaria essa operação, especialmente para os bancos que têm presença local.

Muita gente enviou dinheiro ao exterior na época da inflação galopante utilizando doleiros, até para proteger o patrimônio. Há casos também de executivos de multinacionais que recebiam lá fora ações da empresa em que trabalhavam ("stock-options").

O advogado lembra que o interesse é grande em regular a situação até porque esse contribuinte não consegue hoje usar os recursos. Além disso, há a questão sucessória, já que os herdeiros ficam sem poder acessar esse dinheiro para usufruir dele.

O interesse dos investidores que têm recursos não declarados no exterior em tornar os valores legais é grande, diz um executivo de um private bank. A medida facilitaria a gestão desses recursos, que precisa ser feita separadamente da dos recursos declarados, em geral até por outro gerente, mesmo que da mesma instituição. "A legalização facilitará tudo isso, mesmo que o cliente não queira trazer o dinheiro de volta, ele poderá cuidar de tudo como uma coisa só" , afirma.

Pelo projeto, há algumas formas para regularizar a situação. A primeira, o contribuinte assume que mantém recursos não declarados lá fora e coloca o dinheiro no sistema financeiro brasileiro. A segunda possibilidade é declarar o dinheiro, mas mantê-lo lá fora. Outra opção é declarar o dinheiro, manter os recursos lá fora e aplicá-los num fundo cujos recursos seriam usados em infraestrutura.

Dependendo da maneira como a pessoa internaliza os recursos, paga uma alíquota diferente. Haverá redução do imposto pela metade caso o contribuinte aplique os recursos em bônus ou títulos de dívida de emissão de empresas brasileiras oferecidos no mercado externo. Nesse caso, o dinheiro poderia ser resgatado somente depois de dois anos.

A maior preocupação dos clientes que têm recursos no exterior é a possibilidade de se tornarem alvos da Receita no futuro. Outro medo é que, uma vez feita a anistia e os recursos declarados, o governo venha a criar um imposto sobre fortunas - medida que teria sido cogitada no plano de governo de Dilma Roussef. Os contribuintes temem ainda que esses recursos fiquem na mira de setores do governo, que o veriam como "dinheiro de prostíbulo", obtido de maneira imoral, e que portanto seria passível de alguma tributação, diz um executivo de private bank.

A expectativa nos privates, porém, é que esses fatores serão superados e que a anistia vai ser um sucesso. "Trabalhamos com 70% de probabilidade de aprovação do projeto", diz outro executivo de private. Para ele, a questão foi muito bem debatida e conta com apoio dos deputados e senadores. "E a forma como ela está sendo feita, para incentivar a aplicação do dinheiro em investimento produtivo, de infraestrutura, coisas que combinam com o perfil desenvolvimentista da nova presidente, é um fator a mais para sua aprovação", analisa. Ainda mais com Copa do Mundo e Olimpíada à vista.