Título: Às vésperas de deixar cargo, Lula eleva tom contra Obama
Autor: Lyra, Paulo de Tarso
Fonte: Valor Econômico, 28/12/2010, Politica, p. A9

Em seu derradeiro café da manhã com os jornalistas que cobrem o Palácio do Planalto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva criticou duramente o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, e sua política externa para a América Latina e o Oriente Médio. Chamou os EUA de "império" e clamou Obama, que um dia o chamou de "o cara", numa referência ao fato de Lula ser um dos líderes mais populares do mundo, a compreender a importância da região. O presidente lembrou que há 35 milhões de latino-americanos vivendo em território americano.

No encontro com os jornalistas, Lula, que planeja criar um instituto para, entre outras atividades, atuar na área internacional quando deixar a Presidência, gastou a maior parte do tempo fustigando os americanos. Sinalizou que a defesa de uma política externa independente deverá ser um dos temas de sua militância fora do Brasília. O presidente disse, por exemplo, que, enquanto os EUA insistirem em ser o único condutor das negociações de paz no Oriente Médio, o conflito entre israelenses e palestinos jamais acabará.

"Eles [os EUA] são parte do conflito", disse Lula. Para o presidente, os povos palestino, israelense e americano são favoráveis à paz, mas ele não tem tanta certeza quanto ao governo americano. "A cada três ou quatro anos alguém ganha um Nobel da Paz e as coisas continuam exatamente do mesmo jeito", ironizou, recusando-se em seguida a responder à indagação se Obama teria merecido ganhar o Nobel em 2009.

Lula fez críticas diretas e veladas ao presidente americano. Uma vez mais mostrou seu desprezo por aqueles que têm formação acadêmica ao afirmar que Obama, em dois anos de governo, "está aprendendo mais do que tudo o que viu nos tempos de universidade" - o presidente americano é graduado em Direito pela Universidade de Harvard, uma das mais conceituadas do mundo.

Lula disse que espera ver o líder americano visitando o Brasil em 2011, mas, novamente, o criticou ao afirmar que a visita deveria estender-se a outros países da América Latina, "para ele perceber o que acontece aqui e ter um olhar muito mais na construção de parcerias do que achar que a gente combate a droga com o Exército".

O presidente exaltou a "democracia" latino-americana e, de novo, criticou os americanos. Segundo ele, em nenhum outro lugar do mundo está sendo vivenciada "uma experiência democrática tão intensa". "Seria importante os Estados Unidos participarem disso, como parceiros. Mas ainda não chegamos a isso. Vamos ver se chegamos", declarou.

Ao defender a convocação de novos interlocutores para tentar encontrar um caminho de paz para o Oriente Médio, Lula lembrou que, durante o golpe sofrido por Hugo Chávez em 2002, sugeriu a formação do Grupo de Amigos da Venezuela - "não do Chávez" - para dirimir a questão. O grupo era formado por Brasil, EUA, Espanha, México e Portugal. "Fidel [Castro] criticou o fato de eu ter chamado os EUA, que tinham apoiado o golpe, e a Espanha, que apoiou o governo golpista, para o grupo. Mas eles eram o canal com a oposição venezuelana", observou. Para Lula, países como o Irã e a Síria não podem ficar de fora das negociações no Oriente Médio.

Outro ponto de atrito com os americanos mencionado por Lula foi em relação ao acordo firmado pelo Brasil e a Turquia com o Irã para a troca de urânio puro com vistas a enriquecimento em outros países. Para Lula, o acordo foi um dos pontos altos da política externa brasileira, apesar de não ter sido aceito pela comunidade internacional nem pela ONU. "Acho que eles estavam com os brios feridos. De repente, um país do Terceiro Mundo, como eles sempre consideraram o Brasil, consegue do Irã aquilo que eles nunca conseguiram , e isso deve ter causado uma certa inveja, uma certa ciumeira, sei lá o quê", afirmou Lula.

O presidente negou que o Brasil tenha feito concessões na questão dos direitos humanos em troca da ampliação dos parceiros comerciais ou de uma vaga no Conselho de Segurança da ONU. "O Brasil defende a mudança no Conselho de Segurança por uma razão simples: não quer ser subserviente porque o Brasil quer ter soberania". Na opinião de Lula, os críticos da política externa são os mesmos que acham que "a gente vai se levantar de manhã e pedir licença aos EUA para espirrar, pedir licença à União Europeia para tossir".

Lula negou que esteja pleiteando o cargo de Secretário-Geral da ONU. Durante a última reunião do Mercosul, diversos presidentes sul-americanos pediram que Lula pensasse na hipótese para prosseguir defendendo os interesses da região. "Temos que ter alguns burocratas muito competentes para dirigir os fóruns multilaterais e diminuir o ímpeto da política. Porque se um presidente do Brasil aceita ser secretário-geral da ONU, por que amanhã não pode ser o presidente dos EUA? Aí, fica muito difícil, não é?", descartou.