Título: Órgãos pedem novas leis contra corrupção
Autor: Basile, Juliano
Fonte: Valor Econômico, 29/12/2010, Brasil, p. A4

O governo da presidente eleita, Dilma Rousseff, começa com duas metas importantes na área do combate ao crime organizado e à lavagem de dinheiro. De acordo com documento aprovado por mais de 70 órgãos públicos, no fim de novembro, durante encontro da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (Enccla), em Florianópolis, é urgente a aprovação de duas novas leis para ambos os crimes. O foco nessas duas leis significou uma alteração significativa na Enccla. A estratégia trocou uma lista de dezenas de metas - distribuídas entre os órgãos de combate ao crime e de fiscalização financeira, como Polícia Federal, Receita Federal, Banco Central e Ministério Público - por apenas duas. Antes, as autoridades saíam da Enccla com objetivos concretos para cumprir, como agilizar a quebra do sigilo bancário de pessoas sob investigação ou regulamentar a atuação das companhias "off shore" (especializadas em fazer investimentos no exterior). Agora, elas querem apenas a aprovação de duas leis.

"Nós percebemos que não dá mais para continuar com as leis atuais", justificou ao Valoro secretário nacional de Justiça, Pedro Abramovay. "Decidimos apelar aos membros do Congresso Nacional para que aprovem dois projetos de lei que tramitam há algum tempo no Legislativo", completou.

O primeiro projeto modifica a atual Lei de Combate à Lavagem de Dinheiro (nº 9.613), de 1998. Ele prevê o fim dos crimes antecedentes ao de lavagem. Isso é importante porque, pela lei atual, para que uma pessoa seja condenada por lavagem (com pena de reclusão de três a dez anos) é preciso que, antes, ela seja pega por tráfico de drogas, terrorismo, contrabando, extorsão mediante sequestro ou pelos crimes contra a administração pública, o sistema financeiro ou de organização criminosa. Já pelo texto do projeto de lei, a pessoa poderá ser condenada diretamente pelo crime de lavagem. Basta que oculte a origem ilícita do dinheiro para cumprir a pena de reclusão.

O segundo projeto de lei tipifica as organizações criminosas e regulamenta o uso de modernas técnicas de investigação. "Há a necessidade urgente de aprovação de uma nova lei do crime organizado", afirmou Ricardo Saadi, diretor do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Internacional do Ministério da Justiça.

Segundo Saadi, já houve casos de policiais que entraram em quadrilhas, com o objetivo de investigá-las, mas tiveram que cometer pequenos crimes para não serem descobertos. Ao fim, acabaram sendo processados por delitos, como venda de drogas. "A infiltração é um instituto muito moderno, mas ainda não tem regulamentação no Brasil."

A delação premiada também padece de falta de regulamentação. Sem lei específica, os juízes, em algumas ocasiões, simplesmente não referendam acordos pelos quais criminosos entregam provas da quadrilha da qual participavam. Recentemente, uma pessoa aderiu à delação junto ao Ministério Público para entregar provas de uma organização criminosa às autoridades. Mas um juiz permitiu o acesso dos termos da delação aos advogados dos criminosos e, com isso, acabou comprometendo o uso das informações obtidas com o acordo feito pelo MP. "Esse é um exemplo que está nos dando muita dor de cabeça", comentou Saadi. "É urgente a regulamentação da delação para o nosso ordenamento jurídico."

"O Congresso deve criar um arcabouço legislativo adequado para a utilização desses meios de obtenção de provas", disse Abramovay. Para ele, as leis atuais são precárias para lidar com os meios modernos de obtenção de provas. As escutas telefônicas, por exemplo, têm uma regulamentação de 1996. "Hoje, elas são feitas de modo totalmente diferente, muito mais ágil."

Neste ano, o governo e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) trabalharam para que a autorização de escutas não passasse mais pelas companhias telefônicas. O objetivo era o de evitar que funcionários dessas companhias fossem cooptados por organizações criminosas e avisassem previamente sobre a realização de escutas.

Outro ponto fundamental, explicou Abramovay, é a necessidade de maior cooperação jurídica internacional contra o crime organizado, o que facilitaria o bloqueio de contas utilizadas para "lavar" dinheiro no exterior. Hoje, essa cooperação está baseada numa resolução do Superior Tribunal de Justiça (STJ). "É urgente que a gente consiga ter uma regulamentação legal, sob pena de essa fragilidade atrapalhar todo um novo ramo, uma nova forma de investigar, de se constituir redes entre países", disse Abramovay. "Aquilo que, antigamente, era quase impensável, como conseguir extratos bancários e provas concretas em países estrangeiros, hoje é perfeitamente possível. "Seria ainda melhor se tivéssemos uma nova legislação sobre o assunto."