Título: O Brasil brilha mais uma vez
Autor: Pavini, Angelo
Fonte: Valor Econômico, 29/12/2010, Investimentos, p. D1

Os fundos internacionais aplicaram em papéis brasileiros US$ 15 bilhões este ano, dos quais US$ 10,7 bilhões em ações e US$ 4,6 bilhões em carteiras de renda fixa (bônus), segundo dados da consultoria internacional EPFR Globalaté dia 22. Os números reúnem tanto os fundos dedicados exclusivamente ao Brasil quanto os que aplicam globalmente, somente em mercados emergentes ou apenas na América Latina.

A procura por papéis brasileiros foi ligeiramente menor este ano em relação a 2009, quando foram investidos US$ 19 bilhões, sendo US$ 2 bilhões em renda fixa e US$ 16,9 bilhões em ações. Mas foi muito melhor que em 2008, ano da crise financeira internacional, quando saíram US$ 9,6 bilhões de papéis brasileiros - US$ 2,4 bilhões de bônus e US$ 7,2 bilhões de ações.

A queda deste ano pegou mais o segmento de ações. Já os fundos no exterior que compram bônus do país praticamente dobraram. Isso mostra o movimento dos investidores atrás de proteção para a queda do dólar em papéis de menor risco de países com moeda forte e taxas de juros elevadas, como Brasil, Coreia do Sul e Turquia (ver tabela abaixo).

Apesar da queda nas aplicações em ações, o valor destinado ao Brasil nas carteiras globais é o segundo melhor entre os mercados emergentes, perdendo apenas para a China (ver tabela abaixo). O crescimento do país em meio às crises da dívida soberana na Europa e a ligação com a economia chinesa ajudaram a tornar as ações brasileiras destino de boa parte dos investidores internacionais. Parte do resultado deste ano pode ser confirmado na Bovespa, onde o saldo de investimento estrangeiro estava positivo em R$ 5,671 bilhões até 20 de dezembro.

A diferença se deve ao fato de o estrangeiro poder comprar as ações diretamente no Brasil - o que faz o dinheiro aparecer no saldo da Bovespa - ou em um fundo no exterior que adquire ADRs (recibos de ações) negociados em Nova York. Nesse caso, o dinheiro não entra no país.

O comportamento dos investidores estrangeiros é fundamental para o desempenho da bolsa brasileira. Eles respondem historicamente por 30% do volume de negócios da Bovespa e sua atuação pode fazer o mercado despencar ou decolar. Ou seja, a bolsa é muito influenciada pelo vaivém da aversão global ao risco.

Para o próximo ano, a expectativa segue positiva para os papéis brasileiros. "Eu penso que as perspectivas de fluxos significativos para os fundos tanto de América Latina quanto de Brasil são boas", afirma Brad Durham, diretor-geral da EPFR. Ele ressalta que, neste ano, apesar do fluxo geral para os países, os fundos de ações dedicados exclusivamente à América Latina receberam apenas US$ 1,9 bilhão, enquanto os fundos de Ásia ficaram com US$ 21 bilhões e os de Leste Europeu e África, US$ 6 bilhões. "Deve haver uma recuperação dos fundos de América Latina e do Brasil em relação aos demais emergentes em 2011, atraindo mais recursos", afirma Durham.

Mas há fatores que podem reduzir o apetite externo pela Bovespa em 2011. Um deles, por incrível que pareça, é uma possível melhora da economia dos Estados Unidos, observa Walter Maciel, sócio e diretor da gestora de recursos independente Quest Investimentos.

Para a Quest, a economia americana pode fechar o próximo ano com um crescimento de 3% a 4%. Esse desempenho robusto deve trazer impactos em todo o mundo, mas também deve levar o Federal Reserve (Fed, banco central americano) a aumentar os juros, hoje perto de zero.

Ao mesmo tempo, o Fed deve começar a retirar alguns dos incentivos dados para a reativação da economia americana, o que significará uma redução da liquidez mundial. "Esse é o ponto mais importante, achamos que o Fed começará a subir levemente os juros até o fim do ano que vem", diz Maciel. Um aumento dos juros e uma economia mais saudável devem fazer com que uma parte dos recursos hoje destinados aos emergentes volte para os Estados Unidos, inclusive para a bolsa.

Outro complicador para a atração dos investimentos estrangeiros pelo Brasil pode ser a inflação. O dólar deve sair fortalecido desse processo de melhora dos EUA, o que pode influenciar os preços dos importados no Brasil e em outros emergentes. E a alta do juro americano afetará as curvas de juros do mundo todo. "E os Estados Unidos crescendo colocam pressão nos preços do petróleo e outras commodities", lembra Maciel.

Isso tudo pode pressionar ainda mais a inflação no Brasil. Já a Europa, ainda fraca, pode ajudar a manter os preços dos produtos industrializados comportados. "Mas essa ajuda deve acabar ao longo do ano", diz Maciel. O próximo ano será marcado, portanto, pela inflação em alta nos mercados emergentes, como China e Brasil. E os investidores vão observar como os governos vão lidar com esse problema. "No Brasil, temos um governo novo que, apesar de ter muitos integrantes da equipe atual, vai ter seu primeiro teste", observa.

Uma possível redução dos investimentos estrangeiros deve segurar um pouco a bolsa no ano que vem, acredita Maciel. Mas parte desse movimento pode ser compensada com os recursos que iriam para a Europa, por exemplo, cujos países devem continuar com baixo crescimento. "E os recursos vão migrar para emergentes e para Brasil", afirma Maciel.

Este ano até que não foi dos piores em termos de investimento estrangeiro, avalia Mônica Araújo, estrategista-chefe da Ativa Corretora. Os R$ 5,67 bilhões até agora são bem inferiores aos R$ 20,6 bilhões de 2009, "mas não dá para reclamar", diz.

A tendência é que o fluxo de investimentos estrangeiros no país continue positivo em 2011, basicamente pela liquidez abundante no mercado internacional, acredita Mônica. "E o Brasil se beneficia de sua visibilidade e na ponderação em relação a outros mercados", afirma. A liquidez do mercado brasileiro, que permite ao investidor comprar e vender rapidamente, é também um diferencial enorme em relação a outros emergentes.

Mônica não espera mudanças drásticas no cenário internacional, especialmente nos juros americanos. "O cenário continua positivo para o Brasil atrair recursos", diz. O risco seria a liquidez internacional começar a ser retirada, e um sinal seria o Fed indicar que aumentará os juros. "Até lá temos liquidez abundante e diferencial em relação a outros países", diz. Para ela, mesmo a inflação não preocuparia muito o investidor externo.

A Europa, porém, continuará como o ponto mais sensível do cenário internacional. "Os investidores estarão atentos ao que pode vir de renegociação de dívida de países como Portugal, lembrando que há um emaranhado de débitos com outras nações europeias", diz Mônica. Essa incerteza aumenta a aversão ao risco e afeta os fluxos para emergentes e para o Brasil, trazendo mais instabilidade para a bolsa. "Quando houve o estouro da Grécia, o fluxo para a Bovespa foi negativo", lembra ela. "Por isso, a Europa deve seguir como ponto de instabilidade para a bolsa brasileira", diz.

Esse efeito é ampliado pela liquidez do mercado local, pois os investidores estrangeiros procuram mercados onde podem retirar os recursos rapidamente. "E isso pode levar a uma volatilidade maior nos emergentes como um todo", afirma Mônica.