Título: O menor superávit primário da era Lula
Autor: Oliveira, Ribamar
Fonte: Valor Econômico, 30/12/2010, Brasil, p. A2

Governo federal nunca gastou tanto como em 2010

O governo federal nunca gastou tanto como neste ano. De janeiro a novembro, as despesas da União aumentaram 24,6% em relação a igual período do ano passado. Se não for considerada a receita obtida com a cessão onerosa de 5 bilhões de barris de petróleo à Petrobras, o superávit primário do governo central (Tesouro Nacional, Previdência e Banco Central) é menor do que em 2009, ano em que o Brasil enfrentou a crise financeira internacional e, para não sofrer tanto com ela, executou uma política fiscal expansionista.

Pelo óleo que ainda está no fundo do mar, o Tesouro recebeu R$ 74,8 bilhões e, desse total, utilizou R$ 42,9 bilhões para subscrever ações durante o processo de capitalização da Petrobras. Ele ficou, portanto, com R$ 31,9 bilhões em caixa. Se esses R$ 31,9 bilhões forem retirados da conta, o superávit primário do governo central de janeiro a novembro cai de 1,91% do Produto Interno Bruto (PIB) para 0,94% do PIB, conforme a tabela abaixo. No mesmo período de 2009, o superávit ficou em 1,41% do PIB.

Para comparar o esforço fiscal executado pelo governo nos últimos dois anos é razoável não considerar a receita proveniente do petróleo. Em 2010, o governo federal utilizou uma receita futura do pré-sal para financiar os seus gastos correntes, que, por causa desse expediente, foram turbinados. Em 2010, a política foi ainda mais expansionista que em 2009, mesmo com a economia crescendo 7,5%, como estima o mercado e o próprio governo.

Apesar da receita extra de R$ 31,9 bilhões, é muito provável que o governo central não alcance a sua meta de superávit primário de 2,15% do PIB, o equivalente a R$ 76,3 bilhões. Na hipótese que a meta seja obtida, o superávit "efetivo" deste ano (descontados os recursos da cessão onerosa do pré-sal) ficaria em torno de 1,25% do PIB e seria menor do que aquele registrado em 2009, que foi de 1,33% do PIB. Na verdade, o superávit "efetivo" do governo central este ano será o menor da era Lula e um dos menores desde 1998, quando o Brasil começou a definir metas fiscais. Talvez seja maior apenas do que o de 1998, ano em que o governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso também utilizou receitas da privatização de estatais para garantir o superávit primário.

A política fiscal deste ano é pró-cíclica, ou seja, ela é expansionista em um momento de forte crescimento da economia brasileira. A trajetória fiscal de 2010 parece refletir aquilo que os economistas chamam de "ciclo político". Em anos eleitorais, os governos tendem a gastar muito para eleger os seus candidatos. Esse é um fenômeno que já mereceu até mesmo registro nos manuais de economia e os números mostram que o Brasil não fugiu à regra.

A dúvida que fica é se a redução do superávit primário veio para ficar. A resposta a essa questão certamente será dada pelo governo Dilma Rousseff nos próximos meses. A rigor, o superávit do setor público acaba de ser reduzido pelo governo Lula de 3,3% do PIB para 3,1% do PIB, com a retirada das empresas estatais federais do cálculo. Algumas projeções da área técnica oficial mostram que a meta fiscal poderia ser reduzida para um patamar ainda menor e, mesmo assim, garantir uma trajetória de redução da dívida líquida do setor público em proporção do PIB.

A grande dificuldade para colocar em prática a redução da meta fiscal seria a deterioração do perfil da dívida pública líquida nos últimos anos. Por causa da acumulação de reservas e dos empréstimos subsidiados do Tesouro Nacional ao BNDES, o governo está construindo passivos onerosos e ativos de baixa rentabilidade. O resultado desse movimento é que o custo da dívida não está caindo e nem, por conseguinte, a carga de juros do setor público.

A continuidade dessa política do governo brasileiro (acumulação de reservas e empréstimos subsidiados ao BNDES) vai forçar o governo a manter superávit primário maior do que seria necessário para garantir a queda da relação dívida/PIB.

Embora o ministro da Fazenda, Guido Mantega, tenha dito que irá perseguir a meta de superávit primário de 3,1% do PIB daqui para frente (de 2,15% do PIB para o governo central), há dúvidas na área técnica sobre a capacidade do governo Dilma Rousseff de cumprir esse objetivo. O motivo da descrença é que o superávit do governo central teria que passar dos atuais 1,25% do PIB (percentual obtido sem os recursos da cessão onerosa) para 2,15% - um aumento de 0,9 ponto percentual do PIB.

O ajuste fiscal a ser realizado seria maior do que aquele feito no primeiro ano do governo Lula. Para ajustar as contas públicas em 2003, o presidente Lula foi obrigado a cortar fortemente os investimentos, que passaram de 0,8% do PIB no último ano do governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso para 0,3% do PIB, o menor nível já registrado. Um corte dessa dimensão é impensável atualmente, mesmo porque o presidente Lula já indicou que o ministro Mantega não deve cortar os gastos do PAC.

Ribamar Oliveira é repórter especial e escreve às quintas-feiras