Título: Discurso abordará fome e economia
Autor: Costa, Raymundo
Fonte: Valor Econômico, 30/12/2010, Política, p. A5

No discurso de posse do primeiro mandato, em janeiro de 2003, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva falou uma única vez em "estabilidade" e 14 vezes a palavra "fome". Oito anos depois, é provável que sua sucessora, Dilma Rousseff, dedique em seu discurso de posse, no sábado, mais espaço para temas relacionados à economia, como a racionalização do gasto público. O certo é que "fome" será uma das palavras-chave na peça oratória de Dilma aos congressistas.

A 72 horas da posse, o discurso que Dilma fará na tarde de sábado, no Congresso, ainda estava sendo alinhavado pelos assessores. Como das vezes anteriores, desde a eleição, a penúltima varredura no texto será do deputado Antonio Palocci (PT-SP), futuro ministro da Casa Civil. A palavra final, também como das vezes antecedentes, será da própria Dilma.

Os assessores já conhecem a rotina da presidente eleita: ela primeiro passa os temas que pretende abordar em sua fala. Na fase final, leva o rascunho que já passou pelo crivo de Palocci para casa e faz alterações de próprio punho. Ela sempre mexe, independente de quem escreveu ou já leu. Quando fala, em geral respeita o que está escrito, ao contrário de Lula, que é capaz de deixar de lado, inteiramente, o texto preparado com antecedência.

A erradicação da miséria nos próximos anos é compromisso assumido por Dilma desde a campanha. Sua palavra de ordem é avançar, ou seja, ir além do que foi feito no governo de Lula. Nesse período, o número de pobres no país caiu de 30,4 milhões de pessoas para 17 milhões, segundo dados oficiais. "Temos que ser inovadores e não repetitivos", disse Dilma, no discurso da vitória eleitoral.

Quando falou uma vez a palavra "estabilidade" e "fome" 14 vezes, Lula balizou as "mudanças" provocadas pela troca de guarda em Brasília e deixou claro a prioridade aos mais pobres. Lula dizia que teria cumprido a "missão da minha vida" se, ao final de seu mandato (2006), "todos os brasileiros tiverem a possibilidade de tomar café da manhã, almoçar e jantar". Erradicar a pobreza, promessa de Dilma, é uma tarefa de dimensão parecida mas possível de ser atendida, segundo alguns dos principais especialistas em estudos da pobreza como Ricardo Paes de Barros.

No discurso de 2003, Lula se estendeu sobre política externa e antecipou os passos que deu rumo à África, América do Sul, da cooperação Sul-Sul e do multilateralismo. Dilma deve balizar os ajustes que pretende fazer em uma política cujo objetivo é a construção da paz.

Lula praticamente disse tudo o que faria ou que tentou fazer no governo, em seu discurso de posse no Congresso. No que se refere às reformas, por exemplo, o presidente patrocinou um projeto de reforma tributária que não andou no Congresso. Ele fez (aprovação do Congresso) mas não implementou a reforma da Previdência. A reforma política não saiu da promessa, assim como a mudança da legislação trabalhista. São todas reformas que continuam na agenda, algumas transformadas em promessa de campanha de Dilma (tributária e política). As duas praticamente sumiram da oratória pós-eleitoral de Dilma. A presidente deve ditar o ritmo das mudanças no discurso de posse e na mensagem que enviará aos congressistas, na abertura do ano legislativo, em 1º de fevereiro de 2011.

O corte de gastos está entre os assuntos que Dilma deve abordar, mas não se deve esperar dela termos como "ajuste fiscal", uma expressão, acredita, só adequada a períodos de crise, o que decididamente não é o caso do Brasil. Ela prefere falar em racionalização de gastos, redução da dívida pública para levar a taxa de juros brasileira a patamares internacionais.