Título: Japão encerra ano rebaixado a potência de segunda classe
Autor: Foster, Malcolm
Fonte: Valor Econômico, 30/12/2010, Internacional, p. A15

O Japão foi passado à frente pela China como segunda maior economia do mundo. A Toyota, sua empresa mais representativa, recolheu mais de 10 milhões de carros em meio a uma embaraçosa crise envolvendo a segurança de seus veículos. Em três anos, quatro de seus premiês renunciaram e o governo é incapaz de ativar uma economia que está entrando em sua terceira década de estagnação.

Para o antes confiante Japão, 2010 poderá ser um marco simbólico de seu declínio de gigante econômico para o que os analistas dizem ser seu provável destino: uma potência de segundo nível com algumas empresas de destaque, porém limitada influência mundial.

Num momento em que os japoneses bebem para comemorar o fim do ano em festas conhecidas como "bonen-kai" (reuniões para esquecer o ano), muitos terão prazer em esquecer 2010. O problema é que há poucas projeções positivas. Com uma população em envelhecimento, alta da dívida nacional, impasse político e uma cultura avessa a riscos que demora a adotar mudanças, as perspectivas do país não são promissoras. E o confronto em alto-mar com a China elevou os temores de conflito militar e econômico com o vizinho.

Alguns poucos otimistas esperam que o Japão aproveite seu potencial tecnológico e apelo cultural de "Japão Moderno" na moda, arte e nas histórias em quadrinhos. O país precisa abandonar a dependência da indústria de transformação, dizem eles, e encontrar novas áreas para expansão, como energia verde, engenharia de software e serviços de saúde para os idosos.

Mas ao conversarmos com estudantes universitários, vemos que suas perspectivas são sombrias. Muitos receiam não ter emprego estável ou poder sustentar suas famílias - preocupações que contribuem para a baixa taxa de fertilidade do país: 1,3 filho por mulher.

A renda familiar média caiu 9% desde 1993. Makoto Miyazaki, estudante de 22 anos na prestigiada Universidade de Keio, em Tóquio, pressente que forças fora de seu controle ditarão seu futuro. "Internacionalmente, o Japão está entre grandes países, como China e EUA. E a Coreia está se tornando uma importante concorrente - isso é uma ameaça ao Japão", disse.

É um contraste surpreendente com os anos 80, quando o Japão estava cheio de dinheiro e os especialistas acreditavam que sua economia estava pronta para dominar o mundo. Milhões de pessoas já desistiram de conseguir um emprego vitalício numa grande companhia e tornarem-se "freeters", pulando de emprego em emprego temporário, com poucos ou nenhum benefício trabalhista.

Enquanto empresas cortam custos, o número de trabalhadores temporários têm crescido e já são um terço da força de trabalho, bem mais do que os 16% dos anos 80. Além disso, a população deverá cair até 2055 de 127 para 90 milhões de habitantes - 40% serão idosos. Isso exercerá pressão fiscal sobre os trabalhadores. As dificuldades econômicas são a razão principal por mais de 30 mil japoneses terem cometido suicídio a cada ano nos últimos 12 anos.

Sumiram também as esperanças de mudança promovidas pelo Partido Democrático, que derrubou o governo conservador em 2009. Os democratas perderam o controle da Câmara Alta do Parlamento em julho, preparando o cenário para um impasse político.

O premiê Naoto Kan reconheceu o declínio do status japonês. Sua receita: "Abrir o país". Ele defende a redução das barreiras comerciais, afrouxando a regulamentação e tornando o país um lugar mais atraente para investir.

Seu gabinete aprovou um corte de 5 pontos percentuais, para 35%, na alíquota do imposto sobre as empresas e avalia se o Japão deve aderir a uma zona de livre comércio liderada pelos EUA, a Parceria Trans-Pacífico, que reduziria as tarifas de eletrônicos a alimentos. Líderes empresariais dizem que isso é vital, mas os agricultores temem importações que os arruinariam.

Analistas dizem que isso poderia ser um veículo para a recuperação econômica, mas resultaria em perdas de emprego e desigualdade social, sobretudo no campo. "A mera liberação das forças da concorrência e do livre mercado não será a solução mágica, porque as pessoas vulneráveis rastejarão de volta para manter suas posições", diz Koichi Nakano, professor da Universidade Sophia, de Tóquio.

Nakano e outros dizem ser necessárias mudanças radicais de política econômica e de mentalidade, de expansão da rede de segurança social à superação um profundo medo do fracasso que tem se constituído em obstáculo a empreender, assumir riscos e realizar o potencial econômico do Japão. Cerca de 77% dos desempregados no Japão não recebem auxílio-desemprego, segundo a Organização Internacional do Trabalho, em parte porque os trabalhadores temporários não têm direito ao benefício.

O Japão pode ser inovador: é líder em veículos híbridos e robôs industriais. O console de jogos "Wii", da Nintendo, é um sucesso. Tadashi Yanai, a pessoa mais rica do país, converteu a Fast Retailing e sua marca Uniqlo, de artigos baratos, numa das maiores varejistas asiáticas de vestuário. Mas o Japão prejudica-se por sua insularidade: seu sofisticado setor de telefonia móvel não cresce no exterior porque opera uma rede praticamente ignorada em qualquer outro país.

Mudanças deverão vir gradualmente. Uma cultura conformista, baseada em consenso, implica em o Japão ser geralmente lento em implementar mudanças ou reagir a crises, como na maneira como a Toyota lidou com seus problemas envolvendo seus veículos.

"Seria de esperar a percepção de um senso maior de urgência nesse caso", disse Jeff Kingston, diretor de Estudos Asiáticos na Universidade Temple, em Tóquio. "Na melhor das hipóteses, o Japão avançará aos trancos e barrancos. Conseguirá evitar uma catástrofe, mas é difícil ver outra coisa que não sejam perspectivas sombrias".