Título: Commodities: novo cemitério de analistas
Autor: Campos, Eduardo
Fonte: Valor Econômico, 30/12/2010, Finanças, p. C2

O comportamento do preço das commodities surpreendeu em 2010. No começo no ano a maioria dos analistas não sugeria firme valorização das matérias-primas, justamente por acreditar uma sofrível recuperação mundial.

No entanto, os preços surpreenderam para cima, principalmente na segunda metade do ano. O índice de commodities CRB, por exemplo, subiu mais de 25% desde o fim de agosto.

Tal disparada atingiu em cheio a inflação nos mercados emergentes e o Brasil não escapou de tal movimento, mesmo com a valorização do real amortecendo as oscilações nos preços.

Olhando para 2011, não há resposta única nem avaliação certeira sobre o tema.

Por isso mesmo, o economista-chefe do Banco ABC Brasil, Luis Otavio de Souza Leal, lembra que o tema commodities é o novo "cemitério dos analistas", justamente pela dificuldade de predição.

Mesmo sabendo dos riscos, vamos em frente. O preço das matérias-primas responde, basicamente, a um tripé, composto pela relação oferta e demanda, especulação/liquidez e preço relativo (por ser cotado em dólar, o preço tem que oscilar conforme a moeda americana).

Começando pela relação oferta e demanda, há problemas estruturais. Os estoques de alguns produtos estão baixos (alimentos) e a ocorrência de catástrofes naturais torna bastante plausível episódios de restrição de oferta.

Fazendo frente a esse possível problema, temos a China em claro modo de desaceleração. Porém, no caso da China, uma restrição de demanda pegaria commodities metálicas, e não os alimentos, que são inelásticos ao preço.

O segundo ponto é a questão especulação/liquidez. Nesse ponto, Leal não acredita em maior expansão monetária nos EUA nem na Europa. Nos EUA, conforme a economia mostra fôlego, a chance é de o Federal Reserve (Fed), banco central americano, reduzir e não ampliar o pacote de compra de títulos do Tesouro.

O terceiro e último ponto envolve os preços relativos. Leal não trabalha com uma firme desvalorização do dólar. Portanto, se o viés da moeda americana é de alta, a tendência natural é de commodities estáveis ou perdendo força.

"Juntando tudo isso, quem acha que as commodities vão bombar em 2011 tal vez esteja exagerando um pouco", concluiu o economista.

O contraponto, ou seja, a percepção de que as matérias-primas podem seguir tomando força em 2011, parte de alguns pressupostos.

Entre eles, que a recuperação nos EUA não é tão firme assim. Então, o Fed deve continuar com sua política expansionista. E esse excesso de dólares é que acaba dando ímpeto ao preço nos insumos.

Nesse cenário, a valorização no preço do petróleo, milho, trigo ou qualquer outro produto está descolada de fundamentos, mas sim reflete o investidor buscando rendimento em ativos reais dentro de um mundo ainda incerto (o mesmo raciocínio vale para o comportamento das bolsas de países desenvolvidos, que sobem com firmeza, mesmo em um quadro ainda obscuro de retomada).

E o Brasil com tudo isso? Se o mercado se mostrar mais propenso ao primeiro cenário, ótima notícia para o Banco Central (BC), pois há a tal "influência externa deflacionária", que apesar de esperada não deu as caras em 2010, pode virar fato. Já se o preço dos insumos seguir avançando (é comum previsões de petróleo a US$ 100 o barril), mais trabalho para o BC, não só pelo risco de "inflação importada", mas pelo impacto desses preços sobre as expectativas de inflação.

No limite, diz um economista que pediu para não se identificar, petróleo e alimentos muito mais caros podem colocar em risco a tentativa de retoma das economias centrais, pois consomem grande parte da renda disponível do consumidor.

Eduardo Campos é repórter