Título: Em seu discurso, Dilma substitui mudança, de Lula, por avançar
Autor: Costa, Raymundo
Fonte: Valor Econômico, 03/01/2011, Política, p. A4

Após oito anos da eleição do primeiro mandatário de esquerda do país, a presidente Dilma Rousseff tomou posse no sábado, 1º de janeiro, com um discurso em que a palavra-chave foi "avançar", usada quatro vezes em seu pronunciamento ao Congresso. Em 2003, quando o sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva prestou juramento, a palavra que marcou sua fala foi "mudança", empregada oito vezes. Lula, que assumia o poder em sua quarta tentativa, usou outras seis vezes o verbo "mudar".

Há oito anos, Lula era a oposição que chegava ao poder. Agora, Dilma foi a candidata da continuidade e chegou ao Palácio do Planalto, para cumprir o terceiro mandato do PT, fazendo acenos à oposição: "Mais uma vez estendo minha mão aos partidos de oposição e às parcelas da sociedade que não estiveram conosco na recente jornada eleitoral", disse ao Congresso. A presidente assegurou que "não haverá de minha parte discriminação, privilégios ou compadrio".

Dos oito governadores eleitos ou reeleitos pelo PSDB nas eleições de outubro do ano passado, sete compareceram à posse de Dilma. As ausências mais notadas foram a do senador eleito por Minas, Aécio Neves, e do governador Antônio Anastasia. Os tucanos mineiros alegaram problemas de cerimonial. O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, tomou posse pela manhã e à tarde estava em Brasília. Aécio, que sempre condenou a radicalização da disputa PT-PSDB em São Paulo, é hoje visto como o mais forte candidato da oposição para as eleições de 2014.

Sobre seu governo, Dilma disse que "ele sempre será, ao seu tempo, mudança e continuidade". A presidente preferiu recorrer às palavras "avançar" ou "avanços", encontradas seis vezes no texto que léu no Congresso, à "continuidade", empregada duas vezes.

Talvez tenha sido o discurso de posse mais autoral de um presidente da República. Na realidade, quase uma compilação de falas anteriores, preparada por Dilma e com colaborações dos ministros Antonio Palocci (Casa Civil) e Fernando Pimental (Desenvolvimento, Indústria e Comércio). Dilma falou que a "estabilidade econômica é um valor absoluto", prometeu qualidade nos gastos públicos e disse que não permitirá a volta da inflação, que chamou de "praga".

O discurso é uma confirmação do que a presidente disse em campanha, de uma forma mais bem ordenada. Assim como o programa "Fome Zero" foi a prioridade lançada por Lula em 2003, Dilma elegeu a erradicação da miséria, até o final da década. A pobreza extrema atinge 9% da população brasileira. Dilma usou sete vezes a palavra "miséria". Junto com o fim da pobreza, Dilma relacionou o "trio" da campanha entre suas prioridades: educação, saúde e segurança.

Na educação, Dilma prometeu melhorar a qualidade e aumentar as vagas no ensino infantil e no ensino médio. "Vamos ajudar decididamente os municípios a ampliar a oferta de creches e de pré escolas", prometeu. "No ensino médio, além do aumento do investimento público, vamos estender a vitoriosa experiência do Prouni para o ensino médio profissionalizante".

No que se refere à saúde, a presidente prometeu botar as mãos num vespeiro que desde os governos tucanos os presidentes têm tangenciado. "Vamos estabelecer parcerias com o setor privado na área da saúde, assegurando a reciprocidade quando da utilização dos serviços do SUS", disse Dilma.

Enquanto Lula, em 2003, usou a palavra "segurança" mais vezes em relação ao Conselho de Segurança das Nações Unidas, no qual seu governo brigou por um assento permanente, apenas uma de cinco vezes Dilma usou a expressão nesse sentido. A presidente deteve-se no exemplo do Rio de Janeiro, que "mostrou o quanto é importante, na solução dos conflitos, a ação coordenada das forças de segurança dos três níveis de governo, incluindo - quando necessário - a participação decisiva das Forças Armadas". Dilma não avançou sobre eventuais mudanças na legislação para facilitar a cooperação.

O discurso de Dilma é tímido quando se refere à reforma política, que em sua campanha eleitoral chegou a ser anunciada como prioritária. "Na política é tarefa indeclinável e urgente uma reforma política com mudanças na legislação para fazer avançar nossa jovem democracia, fortalecer o sentido programático dos partidos e aperfeiçoar as instituições, restaurando valores e dando mais transparência ao conjunto da atividade pública", disse. Uma reforma tributária também parece longe dos planos. "É inadiável a implementação de um conjunto de medidas que modernize o sistema tributário, orientado pelo princípio da simplificação e da racionalidade".

Dilma surpreendeu ao dar à questão dos aeroportos uma dimensão além da Copa do Mundo de 2014 e da Olimpíada de 2016. "É preciso, sem dúvida, melhorar e ampliar nossos aeroportos para a Copa e as Olimpíadas", disse a presidente. "Mas é mais que necessário melhorá-los já, para arcar com o crescente uso deste meio de transporte por parcelas cada vez mais amplas da população brasileira". O mesmo tratamento não foi dado a portos e estradas.

Lula assumiu o primeiro mandato petista em meio a um surto inflacionário, mas recorreu apenas uma vez à palavra. A situação de Dilma, neste aspecto, é mais confortável. Ela também falou uma única vez a palavra "inflação", mas o fez como se o dragão inflacionário fosse uma ameaça imediata. "É com crescimento, associado a fortes programas sociais, que venceremos a desigualdade de renda e do desenvolvimento regional", disse. "Isso significa - reiterou - manter a estabilidade econômica como valor absoluto".

Dilma afirmou que "já faz parte de nossa cultura recente a convicção de que a inflação desorganiza a economia e degrada a renda do trabalhador". E arrematou: "Não permitiremos, sob nenhuma hipótese, que esta praga volte a corroer nosso tecido econômico e a castigar as famílias mais pobres".

Assim como fez um aceno incisivo à oposição, a ex-guerrilheira Dilma Rousseff, presa e torturada nos anos de chumbo da ditadura militar, também mandou um recado aos quartéis: "Não tenho qualquer arrependimento, tampouco ressentimento ou rancor". Ou seja, não há lugar para o revanchismo nas políticas da presidente - o que se espera é que ela negocie com os comandantes das forças um esclarecimento sobre os desaparecidos políticos.