Título: Bolsa Família tenta agregar beneficiários à classe média
Autor: Zanatta, Mauro
Fonte: Valor Econômico, 03/01/2011, Política, p. A6

Ex-braço direito e integrante da chamada cota pessoal da presidente Dilma Rousseff, a economista Tereza Campello assumiu ontem o Ministério do Desenvolvimento Social com planos de transformar parte da clientela do Bolsa Família em uma nova categoria de empreendedores rurais e urbanos.

Nessa nova etapa, segundo apurou o Valor, o principal programa oficial de transferência de renda deve dar mais ênfase ao desenvolvimento empresarial das 12,9 milhões de famílias. Nos planos, estão a criação de uma espécie de "força-tarefa" institucional para criar, transferir e aplicar tecnologias em benefício da "nova classe média" resultante das políticas de redução da pobreza no país.

"As famílias do Bolsa Família têm microcrédito, crédito urbano, mas precisamos avançar. Temos de garantir a eles ascenderem, deixarem de precisar do Bolsa Família", disse Campello em sua concorrida cerimônia de posse. A nova ministra afirmou que é preciso adotar "programas complementares" aos beneficiários do bolsa. "Como o Pronaf, que tem crédito para produzir. Temos que fazer a inclusão de amplos contingentes dessa classe "C", que está consumindo", disse. Campello anunciou que haverá reajuste dos valores do Bolsa Família. "O reajuste sai logo. Vamos apresentar à presidente Dilma para definição", disse. Antes, porém, serão decididos conceitos como a linha da pobreza, metas, métodos e prestação de contas.

O ministério atuará mais fortemente, segundo Campello, no semi-árido, nos grandes centros urbanos, nas áreas desmatadas da Amazônia e indígenas. E terá como referência programas como o Territórios da Cidadania, plano de redução da pobreza e geração de renda rural que atua em 120 regiões do país. O programa combina 180 ações para organizar produção, infraestrutura, regularização fundiária, saneamento, água, educação e saúde em 1.852 municípios com menos de 50 mil habitantes.

Os planos incluem reunir as várias experiências de microcrédito e usar o conhecimento acumulado pela agência de apoio ao empreendedorismo (Sebrae) para estimular esse novo grupo social a abrir pequenos negócios. Essa chamada "porta de saída" estimularia investimentos em mercearias, restaurantes, cabeleireiros, revendas e "lan houses". A meta é financiar, via subsídios, todo tipo de máquinas, equipamentos e materiais de construção. O capital de giro inicial dessas empresas seria incluído como benefício nesta nova fase.

A estratégia da "forte intermediação do Estado" ajudaria a democratizar tecnologias, entende o governo. Além disso, haveria a garantia de aquisição direta da produção, de bens e serviços derivados dessas iniciativas. "Não há uma saída única. A inclusão produtiva com renda e emprego é a mais difícil", disse Tereza Campello. A ministra, que iniciará um tratamento contra um câncer de mama recidivo, explicado por seu marido e por sua médica, durante a solenidade de posse, com total transparência, a jornalistas, fez reiterados elogios ao ex-presidente Lula ao afirmar que o seu governo reduziu de 12% para 4,8% o índice de pobreza extrema no país. "Fizemos redução de renda e de poder", disse a um auditório repleto de ministros, parlamentares e militantes petistas. As diretrizes da presidente Dilma Rousseff incluem "calçar as havaianas" em instituições como Sebrae, Caixa Econômica Federal, Banco do Brasile Banco do Nordeste. Quer dizer, aproximar o governo das demandas "mais humildes".

A meta de estar mais perto dessa classe emergente também deve elevar a demanda por serviços financeiros e bancários, por exemplo. Vender cartões, títulos de capitalização e seguros agradaria a outros clientes do governo e ajudaria a fechar esse círculo virtuoso, principalmente em pequenas e médias cidades.

O planejamento inicial do governo abrange a área rural, onde tem havido forte redução da pobreza. Cooperativas, Embrapa e Incra ajudariam a criar e transferir tecnologias para essa "nova classe C" rural. Um recente estudo do Centro de Política Sociais da Fundação Getúlio Vargas mostra que 4,3 milhões de pessoas deixaram as classes "D" e "E" para integrar a "nova classe média" até 2009. Essa categoria passou a dominar o cenário rural composto por 25,7 milhões de habitantes.

As cooperativas também seriam estimuladas a ampliar sua base de agricultores familiares em troca de mercados cativos na merenda escolar e nas compras oficiais das grandes cidades. O Incra daria mais ênfase no desenvolvimento dos assentamentos da reforma agrária, onde ainda há graves problemas de infraestrutura e escoamento da produção. Pelos planos, a Embrapa passaria a direcionar suas pesquisas básicas ao desenvolvimento e à transferência de novas tecnologias a esse público. O governo também planeja ampliar o papel da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) nos programas de compra direta da produção rural e nos aspectos de comercialização de todos os tipos de produtos, sobretudo nas regiões Norte e Nordeste do país.