Título: Patriota defende acertos do passado, mas sugere adaptações ao cenário global
Autor: Leo, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 03/01/2011, Especial, p. A20

De Brasília Menos disposta ao exercício da diplomacia presidencial do que o antecessor Luiz Inácio Lula da Silva, a presidente Dilma Rousseff aceitou, porém, uma agenda intensa de contatos internacionais, que começará já em fevereiro, com viagens pela América do Sul. No discurso de posse, ontem, em que anunciou a decisão da presidente sobre viagens à América do Sul, China e Estados Unidos, o novo ministro das Relações Exteriores, Antônio Patriota, defendeu "o acerto das opções dos últimos anos" em política externa, mas previu "adaptações" e "reconsideração de certas ênfases".

Dilma irá à reunião de cúpula da América do Sul e Países Árabes, em Lima, Peru, em fevereiro, anunciou o ministro. Durante as conversas com chefes de Estado na posse, a presidente acertou de ir, também em fevereiro, ao Chile, para discutir acordos econômicos com o presidente Sebastián Piñera. Com o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, que desmarcou o encontro previsto para ontem alegando "questões pessoais" para voltar a Caracas, Dilma, em breve conversa, combinou terem um encontro em breve no país vizinho. Ainda em fevereiro, ela também irá à Bolívia.

As diplomacias do Brasil e EUA trabalham para tentar incluir um encontro entre Dilma e o presidente Barack Obama, em Washington, aproveitando a viagem da presidente, em abril, para a reunião dos Bric (Brasil, Rússia, Índia e China), em Xangai, China, em abril. Ex-embaixador em Washington, Antônio Patriota assumiu sob a expectativa de restabelecer a proximidade entre o Palácio do Planalto e a Casa Branca, abalada por divergências em relação ao Irã. Isso não impediu que fizesse, no discurso de posse, críticas veladas à atuação internacional americana.

"Consensos de outras eras são cada vez mais questionados e os antigos formadores de opinião encontram dificuldade crescente para fazer prevalecer suas ideias", discursou. O Brasil, para Patriota, está entre os novos polos globais, que devem atuar em questões "que afetam a todos", contra problemas como "as aventuras militares e as práticas que desestabilizaram a ordem internacional nos últimos anos". O Brasil, disse, superou "o acúmulo de vulnerabilidades" econômicas e sociais que limitavam sua ação internacional.

O país deve ficar "atento" para "evitar que os círculos decisórios que se formam em torno das principais questões contemporâneas reproduzam as assimetrias do passado", insistiu. Grupos internacionais nos quais o Brasil passou a participar, como o G20, das economias mais influentes, têm de incorporar as demandas dos demais, disse o ministro, para quem o Brasil, como sétima economia mundial deve se equipar para demandas por maior atuação na cooperação internacional em países menos desenvolvidos.

Celso Amorim, ao despedir-se, fez elogios enfáticos à capacidade do sucessor, cuja carreira ajudou a impulsionar. Sugeriu a releitura de seu próprio discurso de posse, há oito anos, para comprovar que o governo Lula fez o que prometeu em política externa. "Enfrentamos o desafio de negociações comerciais complexas que vinham sendo conduzidas de forma que faziam prever resultados negativos para o desenvolvimento de nosso País", disse, lembrando a ênfase no Mercosul e a manutenção das "parceiras tradicionais".

Emocionado, Amorim elogiou o "indefectível e implacável escrutínio" da imprensa sobre a política externa, mas fez um desabafo, lembrando sua demissão da Embrafilme, a estatal promotora do cinema, na década de 70, por ter defendido um filme que denunciava a tortura. "Por isso, hoje tenho certa dificuldade não em ouvir críticas, mas em ouvir reparos às minhas convicções sobre direitos humanos - e muitos dos que fazem as críticas hoje estavam calados naquela época". (S.L.)