Título: Trabalho perde espaço na composição da renda familiar
Autor: Villaverde, João
Fonte: Valor Econômico, 04/01/2011, Brasil, p. A3

De São Paulo

O trabalho perdeu força no total de rendimentos das famílias brasileiras, apesar dos consecutivos recordes na criação de emprego formal e do aumento real de salários no Brasil. Enquanto em 1999 a renda do trabalho representava 81,5% do rendimento total das famílias, dez anos depois já recuava para 77,4%. Levantamento feito a pedido do Valorpelo economista Marcio Pochmann, presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), mostra que a principal responsável por essa perda de força do trabalho foi a região Nordeste, onde a renda do trabalho caiu quase dez pontos percentuais na década, saindo de 81,7%, em 1999, para 72,5%, em 2009.

O esvaziamento do trabalho no total de rendimento das famílias ocorreu anualmente até 2006, tendo se concentrado entre 1999 e 2003, quando perdeu três pontos percentuais, se estabilizando em torno de 78% desde então. Segundo Pochmann, essa dinâmica, na década, ajuda a explicar o fenômeno de redução da renda oriunda do trabalho no total de rendimentos. "A renda do trabalho caiu menos a partir de 2004, que é justamente quando começa o Bolsa Família, então não se pode relegar às transferências de renda a responsabilidade por esse processo", diz Pochmann, para quem o próprio mercado de trabalho justifica esse movimento.

"Vivemos, no começo da década, uma extensão dos anos 90, isso é, um quadro de baixo crescimento econômico, com altas taxas de desemprego e poucas políticas sociais de transferência de renda", afirma o economista, "cenário que foi alterado nos últimos anos, quando a formalização ganhou força e, com isso, rendimentos indiretos, como aposentadorias e seguro-desemprego, também". Dessa forma, raciocina Pochmann, a dependência do trabalho diminuiu, uma vez que, devido ao próprio emprego adquirido, as pessoas passaram a tomar mais empréstimos bancários para financiar o consumo.

O economista, no entanto, não descarta o efeito produzido por transferências de rendas desvinculadas do trabalho, como a Lei Orgânica da Assistência Social (Loas) e o Bolsa Família, na redução mais acelerada da renda do trabalho no total de rendimentos das famílias. Enquanto no Sul e Sudeste a renda do trabalho caiu apenas 3,9 e 2,7 pontos percentuais entre 1999 e 2009, respectivamente, nas regiões Norte e Nordeste a queda foi maior - 6,2 e 9,2 pontos percentuais, respectivamente.

Segundo dados do Ministério de Desenvolvimento Social, os nove Estados do Nordeste concentraram, em dezembro do ano passado, 50,5% do total de famílias beneficiadas pelo Bolsa Família - o equivalente a 6,4 milhões de famílias. No Norte, foram 1,3 milhão de famílias, o equivalente a 10,5% do total de assistidos.

"Não vejo como um êxito o trabalho aumentar sua parcela no total de rendimentos das famílias, movimento que certamente ocorreu em 2010, diante de todo o aquecimento do emprego. O Estado passa a ocupar um espaço maior, trata-se de um fenômeno natural em economias maduras, como ocorreu nos EUA e na Europa do pós-guerra, seja por meio de aposentadorias, seja por meio de apoio à postergação no ingresso no mercado de trabalho", afirma Pochmann, para quem o Estado brasileiro está, nos últimos anos, ganhando espaço de "Estado de Bem-Estar Social", que dá aos cidadãos "tranquilidade" na escolha de empregos. (JV)