Título: Banco Central: uma transição combinada
Autor: Romero, Cristiano
Fonte: Valor Econômico, 05/01/2011, Brasil, p. A2

Henrique Meirelles e Alexandre Tombini combinaram o teor dos discursos proferidos na transmissão de comando do Banco Central (BC). Além da convergência de ideias - ambos defenderam com ênfase o valor da estabilidade da moeda como pré-condição para o desenvolvimento -, os dois acertaram o teor dos recados transmitidos, segundo apurou esta coluna.

De saída do cargo, Meirelles fez um balanço de sua gestão e mandou as mensagens difíceis, livrando Tombini da tarefa. O ex-presidente do BC deixou claro que, daqui a duas semanas, o Comitê de Política Monetária (Copom) elevará a taxa de juros (Selic), hoje em 10,75% ao ano.

Para trazer a inflação de volta à meta, explicou Meirelles, o BC primeiro anunciou ações prudenciais, destinadas a diminuir os riscos inerentes ao forte crescimento no volume de crédito. Agora, virão as "medidas convencionais" de política monetária. "Elevações da Selic não devem ser motivo de alarido", pontuou Meirelles.

Em seu discurso, Tombini falou do papel institucional do BC, não só no que diz respeito à condução da política de juros, mas também quanto à supervisão bancária e à educação financeira dos cidadãos. Foi um pronunciamento para dentro, dirigido à corporação, à qual Tombini pertence como funcionário de carreira.

O novo comandante do BC não deixou espaço para dúvidas ao lembrar que, ao convidá-lo para o cargo, a presidente Dilma Rousseff exigiu que o banco "busque de forma incansável e intransigente o cumprimento da missão institucional de assegurar a estabilidade do poder de compra da moeda".

Tombini foi adiante ao reconhecer que a inflação brasileira é alta para padrões internacionais - quase 6% em 2010. Mesmo a meta - de 4,5% - é elevada, sendo a terceira maior do grupo de países que possuem regime de metas para inflação. Ao defender a redução da meta no futuro, Tombini, na verdade, falou de logo mais - em junho, o governo define a meta de 2013, terceiro ano da gestão Dilma.

Meirelles e Tombini reiteraram a aposta no regime de metas. O primeiro lembrou que o regime oferece resultados mensuráveis, que podem ser comparados com as metas estabelecidas. O segundo foi ainda mais enfático ao observar que o regime tem obtido "sucesso inquestionável". "E tem feito isso com flexibilidade, absorvendo choques econômicos diversos, ao menor custo para a sociedade", disse o presidente do BC.

Os temas abordados nos dois discursos podem parecer obviedades para um país que adotou o tripé de política econômica - equilíbrio fiscal, metas para inflação e câmbio flutuante - há 12 anos. Não são. Mesmo com todas as conquistas proporcionadas pelo modelo nos últimos oito anos, a convivência com ele não é pacífica. Há sérias restrições da parte de integrantes do governo anterior e do atual, como também houvera na gestão Fernando Henrique Cardoso.

Dos três componentes do tripé, dois estão, na essência, a cargo do Banco Central (os regimes de câmbio e de metas). O outro (a política fiscal) é responsabilidade do Ministério da Fazenda. Os três são fundamentais para que a política, como um todo, dê certo. E todo o modelo só funciona se o BC tiver autonomia operacional para decidir sobre a taxa de juros.

Não é segredo para ninguém que, embora ao fim e ao cabo tenha apoiado essa política, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva contestou decisões do Copom e pressionou o BC a agir de forma diferente, especialmente nos anos de 2008 e 2010. A presidente Dilma Rousseff sinaliza com uma atuação diferente.

Ao anunciar Tombini, a presidente o autorizou a reiterar publicamente a autonomia do BC. Além disso, refutou, ainda no período de transição, tentativa de retirada do status de ministro do cargo de presidente da instituição. Fez mais. Em seu discurso de posse, dedicou poucas palavras a temas específicos, com a honrosa exceção da defesa, inequívoca, da necessidade de se combater a alta inflacionária. Um bom sinal.

A tarefa que o BC tem pela frente não é fácil. A experiência mostra que o custo, em termos de redução da atividade econômica, para derrubar a inflação é elevado quanto esta se distancia da meta oficial. Em oito anos, o governo Lula promoveu quatro ciclos de aperto monetário - a rigor, foram três, se se considerar que o primeiro foi iniciado pela gestão anterior.

O que se observa é que foi mais fácil (ou menos custoso, em termos de PIB) trazer a inflação de 17% (em 12 meses até maio de 2003) para 5,15% em maio de 2004 do que de 7,6% (inflação de 2004) para 5,69% (índice de 2005) um ano depois. No segundo caso, o impacto sobre a atividade foi brutal e deixou uma lição para o BC.

A economia se recuperou rapidamente da recessão de 2003 e cresceu, em 2004, acima do seu potencial - a inflação acumulada em 12 meses, que já havia caído a 5,15% em maio daquele ano, acelerou, atingindo 8,07% em abril de 2005. Infelizmente, um fenômeno parecido se repetiu no ano passado. Em favor do BC, registre-se que a eficácia da política monetária aumentou nos anos recentes.

Cristiano Romero é editor-executivo e escreve às quartas-feiras