Título: Fazenda faz muito barulho para nada
Autor: Campos, Eduardo
Fonte: Valor Econômico, 05/01/2011, Finanças, p. C2

O câmbio voltou a chamar atenção no pregão de terça-feira. E não foi nenhum ente de mercado que promoveu correria nas mesas de operações, mas sim o próprio governo.

O dia tinha cara de repique técnico de alta, após o tombo de segunda-feira, que levou o dólar a R$ 1,65, cotação não observada desde setembro de 2008.

Mas a jornada ganhou um vetor exógeno por volta das 12h40, quando o Ministério da Fazenda divulgou que o ministro Guido Mantega falaria sobre o câmbio às 15h30.

Conforme a notícia passou a circular junto com as especulações sobre o que poderia ser anunciado, as ordens de compra aumentaram e a moeda fez suas máximas do dia a R$ 1,672 no mercado à vista (alta de 1,27%) e a R$ 1,6815 no futuro (alta de 1,41%).

A coletiva aconteceu, por volta das 15h50, mas nenhuma medida de restrição foi anunciada. Mantega reforçou a questão do ajuste fiscal ajudando no combate à inflação, o que abriria espaço para o Banco Central cortar os juros no futuro. Por fim, os juros menores atrairiam menos capital externo, aliviando a pressão sobre o câmbio.

Com expectativas frustradas, os compradores aliviaram o ritmo de atuação, mas, ainda assim, o dólar comercial subiu 0,78%, e fechou a R$ 1,664 na venda (veja gráfico abaixo).

Fica a dúvida: o que o ministro/governo queria com tudo isso? Nas mesas de operação o descontentamento foi geral. Afinal, o ministro cria uma baita ansiedade, os preços se alteram, agentes se posicionam e, de fato, nada acontece.

Tal reclamação está ligada ao momento escolhido para a entrevista, quando os mercados ainda estão funcionando. Seria mais prudente anunciar e realizar a coletiva após o encerramento dos negócios.

"Até agora eu não entendi o que ele quis fazer. Em qualquer lugar civilizado do mundo esse tipo de acontecimento seria investigado, porque claramente ele manipulou o mercado. Convocar uma entrevista para falar sobre um mercado que ainda está aberto sem ter nada para falar é brincadeira", diz um economista que pediu anonimato.

Para alguns, fica o recado, ou seja, o governo é outro, mas a atenção ao câmbio segue a mesma. Se continuarem batendo no dólar, novas medidas podem ser adotadas.

Outra visão é a de que o ministro foi disposto a fazer uma coisa e acabou sendo convencido por forças maiores a anunciar outra. Tamanho alarde para nada deixou alguns com essa impressão.

Já o economista-chefe do Banco Safra de Investimento, Cristiano Oliveira, está entre os poucos que viram a fala de forma positiva, pois o recado não foi dado para o mercado financeiro, mas sim para exportadores e industriais.

Oliveira chama atenção à ênfase que o ministro deu ao fato de que um dos vetores responsáveis pela apreciação do real é o comportamento do dólar no mercado global. Indiretamente, diz o economista, Mantega diz que não tem muito o que fazer no câmbio, mas indica que vai trabalhar para manter o saldo comercial ao redor dos US$ 20 bilhões via medidas para conter importações e estimular exportações.

Ainda de acordo com Oliveira, chama atenção a postura do ministro com relação à área fiscal. O discurso passou a ideia de que o BC não está mais sozinho no combate à inflação. "Parece que o ministro Mantega do governo Lula saiu de cena e o ministro Mantega do governo Dilma assumiu a Fazenda", disse.

Mas, por ora, são apenas boas intenções. O economista aponta que temos de ver o tamanho do corte de gastos para comprar esse aceno do governo. "Uma poupança fiscal de 1% do PIB, algo como R$ 35 bilhões, seria muito bem vinda", diz Oliveira, que não duvida do intento, mas acredita que organizar um corte desse tamanho será muito difícil.

Com uma interpretação distinta, o diretor-executivo da NGO Corretora, Sidnei Moura Nehme, acredita que o governo trabalha para mudar os paradigmas vigentes, de juros altos e controle da inflação via taxa de câmbio.

Esse é um modelo falido e esse aceno de firme ajuste fiscal para conter a demanda do governo e a inflação são as pistas de que uma nova matriz de política economia pode estar em gestão. "O governo quer combater as causas e não mais as consequências", diz Nehme.

O fato é que esse é um processo que demanda tempo e enfrentará resistência até mesmo do mercado financeiro, que terá de encontrar outras formas de atuar com essas variáveis.

No curto prazo, não há muito mesmo que fazer. O dólar segue com preço baixo até que essa mudança de rumo esteja mais perceptível.

O contraponto é que um governo mais responsável pode chamar ainda mais recursos externos.

Eduardo Campos é repórter