Título: Boom de investimentos também é acompanhado de críticas ao modelo
Autor: Rittner, Daniel
Fonte: Valor Econômico, 07/01/2011, Especial, p. A12

De Buenos Aires

Eletrônicos mais caros do que nos países vizinhos, aumento nas importações de componentes, pedidos de benefícios fiscais por outras indústrias. Todos reconhecem o boom de investimentos que a Terra do Fogo vive nos últimos meses, com as novas medidas tributárias sancionadas pelo governo, mas existem críticas sobre suas consequências.

A maior delas é sobre o fato de que a Argentina estaria deixando de importar eletrônicos acabados para comprar uma série de peças e componentes estrangeiros que são apenas montados no país, sem valor agregado nacional. Um levantamento da consultoria Abeceb, a pedido do Valor, demonstra que as importações de componentes dispararam após a mudança do regime de incentivos fiscais. Na comparação entre o primeiro semestre de 2009 e de 2010, subiram 496% e 573% as compras de peças para aparelhos de TV e para celulares, respectivamente.

No fim das contas, sustenta o economista Santiago Novoa, há um aumento líquido das importações - condizente com a demanda mais forte por eletrônicos, por um lado, mas sem que eles tenham sido trocados por produtos verdadeiramente nacionais. "A competitividade da Terra do Fogo está baseada na proteção industrial e sua estratégia de desenvolvimento não está apoiada numa articulação orgânica com a indústria nacional", diz o analista da Abeceb.

A Afarte, associação que reúne as indústrias instaladas na zona industrial patagônica, reconhece que o aporte de conteúdo local é mínimo. "O valor agregado é, basicamente, trabalho", disse ao Valoro presidente da entidade, Alejandro Mayoral. Ele admite que, mesmo atendendo o mercado doméstico, a escala de produção ainda é insuficiente para atrair fabricantes de componentes. "Mas nem todas as causas são locais. É preciso lembrar que houve um processo de concentração global da produção de eletrônica de consumo e de seus componentes na Ásia."

Mesmo para o acabamento de produtos, multinacionais como Nokia e LG têm preferido fechar alianças comerciais com fábricas já instaladas na Terra do Fogo a erguer novas plantas. "Seja porque o mercado argentino é menor, seja porque há mudanças constantes de política industrial, há uma preferência por essas alianças", argumenta Mayoral.

O executivo também rebate as críticas que a zona industrial recebe por encarecer os eletrônicos aos consumidores. Um estudo divulgado recentemente pela consultoria IFR Monitoring mostrou que, entre nove países latino-americanos, a Argentina e o Brasil têm os preços mais altos de televisores LCD de 32 polegadas. Segundo o estudo, trata-se de um resultado direto da decisão de fabricar os equipamentos no próprio país, em parques industriais como Manaus e Terra do Fogo, com logística complicada. No Chile e na Colômbia, onde os eletrônicos são importados e as tarifas são mais baixas, paga-se metade do preço.

Enquanto os consumidores do Brasil e da Argentina pagavam um pouco mais de US$ 1 mil para comprar um equipamento LCD, em meados do ano, chilenos e colombianos gastavam em torno de US$ 500 por aparelhos asiáticos.

"Sem dúvida, a política de proteção tem custos para toda a sociedade. Poderíamos importar com tarifa zero todos os automóveis que compramos no Brasil e na Argentina, mas ficaríamos sem montadores que geram milhares de empregos. Valeria a pena?", questiona Mayoral, para defender o modelo praticado na Terra do Fogo. Segundo ele, foi alcançado o grande objetivo definido pelo país ao criar a zona industrial: povoar a ilha patagônica e assegurar pacificamente a soberania do território. "Para isso, é preciso ter algum atrativo fiscal. Provavelmente os moradores de Manaus gostariam de ter uma cobertura em Copacabana. Se não houver benefícios, como fazer para que as pessoas não se mudem para outros lados?", diz.

Mas os críticos a esses subsídios citam números para sublinhar as diferenças: enquanto Manaus gera empregos diretos e indiretos a meio milhão de pessoas, a zona franca argentina tem menos de seis mil trabalhadores nas suas fábricas. Por isso, argumentam que é muito dinheiro para poucos resultados.

A Terra do Fogo também precisa conviver com o lobby de outras empresas para equiparação das condições tributárias. O diretor-geral da Cadieel, Cláudio Krämer, diz que tem conversado com o governo sobre formas de dar incentivos ao restante da indústria nacional que permitam melhorar a competitividade em relação aos importados. O nome completo da entidade dá uma ideia do aglomerado de empresas em busca de protecionismo: Câmara Argentina das Indústrias Eletrônicas, Eletromecânicas, Luminotécnicas, Telecomunicações, Informática e Controle Automático. (DR)