Título: Posição vendida, cupom cambial e confiança
Autor: Campos, Eduardo
Fonte: Valor Econômico, 10/01/2011, Finanças, p. C2

Os investidores seguem digerindo a medida adotada pelo Banco Central (BC) para limitar a posição vendida dos bancos no mercado à vista.

Os agentes não compram a versão oficial de que a medida foi meramente prudencial, ou seja, que esse foi um movimento para limitar o risco da posição dos bancos no caso de alguma catástrofe financeira.

Cabe lembrar que nenhuma instituição está descasada, ou seja, exclusivamente vendida ou comprada. A regulação de mercado não permite. Então, por esse prisma, o que BC tenta evitar é um risco de prazo e não de moeda, no caso de algum choque cambial exógeno.

Entre os inúmeros questionamentos, voltamos a alguns que envolvem os efeitos da medida no mercado de dólar futuro e de derivativos.

Ao comprar dólar à vista para cobrir posição, o banco, automaticamente, vende dólar futuro. Com isso, a diferença entre o preço à vista e futuro cai e há uma abertura na taxa do cupom cambial (DDI - juro em dólar).

Explicando melhor tal mecanismo, cabe lembrar que o preço do dólar futuro é formado pela cotação à vista, mais taxa de juros, menos o cupom cambial. Assim sendo, quanto maior o cupom cambial, menor o dólar futuro e, portanto, menos atrativo para o especulador local ou estrangeiro vender o dólar e comprar o real.

Considerando que a medida do BC teve tal objetivo (aumentar o cupom cambial), a autoridade monetária consegue compensar, em parte, a alta na taxa de juros que está por vir. Ou seja, o BC desestimula uma ope- ração vista como especulativa.

Por outro lado, diz um experiente gestor que pediu anonimato, essa medida pega o especulador, mas também pode prejudicar o exportador brasileiro, que já se acostumou a acessar o mercado futuro de moeda para antecipar receitas e, agora, pode encontrar um dólar futuro em queda (afinal há um aumento de oferta).

Outra consequência levantada é que, ao mexer na posição vendida dos bancos, o BC pode acabar influenciando o mercado de casado (dólar pronto contra futuro). Nesse ponto, vale lembrar que a formação da taxa de câmbio no Brasil se dá no mercado futuro, pois é esse mercado que concentra a liquidez e tem menos restrições aos participantes. Então, todas as operações são formatadas no mercado futuro e repassadas aos bancos para (quando necessário) ocorrerem liquidações no mercado à vista.

Se a incerteza cresce nesse mercado de intermediação, diz o especialista, o BC pode passar a encontrar dificuldades em fazer suas atuações, pois os bancos não venderão moeda a ele se estiverem incertos quanto ao preço justo do dólar casado.

No fim das contas, diz o gestor, o BC pode ter sua capacidade de absorver fluxos externos prejudicada, o que acabaria dando mais força ao real.

Outro questionamento que continua rondando as mesas não tem nada de técnico. É a percepção de que novas medidas restritivas podem ser anunciadas, ainda mais se o dólar seguir o que para alguns é sua trajetória natural de baixa.

Para alguns investidores, se o BC se engajar nessa luta e seguir anunciando medidas, será formado um quadro de claro retrocesso no processo de abertura cambial que está em curso ao longo dos últimos anos.

Dentro de um ambiente de incerteza, qualquer ruído cresce e vira uma "quase verdade", que na dúvida leva o investidor a rever posições. É esse tipo coisa que alguns operadores notam não apenas no câmbio, onde a frase de ordem para alguns é "ficar fora ou comprado, vendido não dá". Mas também na formação de posições em outros ativos como bolsa de valores, onde se teme o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) sobre renda variável.

De volta à sexta-feira, após três dias seguidos de alta, um alerta no ministro da Fazenda e uma medida do Banco Central, o preço do dólar ajustou para baixo. Perdeu 0,11%, a R$ 1,686 (veja gráfico abaixo). Mas a moeda americana terminou a primeira semana de 2011 acumulando alta de 1,20%.

No mercado de juros futuros, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de dezembro, em 0,63%, e de 2010, em 5,91%, não surpreendeu. Mas a resistência à queda nos núcleos (que tiram da conta preços mais voláteis) parece ter enterrado qualquer viés otimista com relação à inflação neste começo de ano.

Para janeiro e fevereiro o IPCA projetado está entre 0,65% a 0,70%. Isso reforça a percepção de alta da Selic na próxima semana e leva a curva futura a ganhar inclinação.

Se essa percepção negativa perdurar, não será surpresa ver parte dos agentes passando a colocar no preço uma alta de 0,75 ponto percentual na Selic e não mais uma abertura de ciclo com 0,50 ponto.

Eduardo Campos é repórter