Título: Aprimorar para reduzir a meta
Autor: Nakano, Yoshiaki
Fonte: Valor Econômico, 11/01/2011, Opinião, p. A11

No seu discurso de posse, o novo presidente do Banco Central (BC) falou em reduzir a meta de inflação. Tem toda razão e merece aplausos. É possível sim alcançar taxa de inflação menor comparável à dos demais países do mundo. Basta elevar os juros que a taxa de câmbio se apreciará ainda mais e a demanda agregada sofrerá queda, e ambos pressionarão para baixo a inflação.

Mas o seu custo não será tolerado pela sociedade. E o ganho na luta contra inflação será temporário. O câmbio apreciado reduzirá o preço dos importados e a inflação no curto prazo, mas no médio prazo o déficit em transações correntes se tornará insustentável, desencadeando uma crise cambial e de balanço de pagamentos com inflação explosiva. Com juros mais altos, a taxa de investimento será reduzida e com isso o produto potencial crescerá menos, anulando seus efeitos anti-inflacionários, e a taxa de crescimento voltará aos níveis pré-Lula, fato que certamente não será aceito pelo eleitorado brasileiro.

Para reduzir a meta de inflação é preciso antes aprimorá-la, dando-lhe maior coerência, consistência e principalmente maior potência ao seu instrumento. Para começar, é preciso previamente desindexar todos os preços. Todos sabem que a lei que instituiu o Plano Real desindexou parcialmente a economia brasileira. Por exemplo, os contratos de mais de um ano têm que ter uma cláusula obrigatória de indexação. Com isso, um número muito grande de bens e serviços, incluindo os públicos, têm a inflação presente determinada pela inflação passada.

No setor financeiro, o Plano Real manteve intacto o regime monetário do período de hiperinflação, com a moeda na sua base (reservas bancárias, fundos etc.) indexada à taxa de juros diária (Selic/CDI). É preciso, depois de 15 anos de estabilização de preços ancorada na taxa de câmbio, fazer a estabilidade monetária, eliminando as heranças do período de hiperinflação. Não tem sentido manter ativos financeiros indexados à taxa diária de juros num contexto em que o novo presidente do BC está certamente imaginando meta de inflação de 2% ou 3% ao ano. Mais aloprado ainda é a taxa de juros das aplicações "overnight" pagar a mesma taxa Selic dos títulos de longo prazo do Tesouro Nacional: é lógico que o Banco Central aniquila a formação de um mercado de poupança de longo prazo, aprisionando os poupadores no mercado de moeda, dando-lhes liquidez e remuneração correspondente à de títulos de longo prazo.

Desindexados os ativos financeiros, o novo instrumento de política monetária terá seu poder multiplicado

Essa aberração tem que ser eliminada. Assim, desindexados os ativos financeiros, o novo instrumento de política monetária terá seu poder de ação multiplicado, tornando também desnecessária a manutenção dos juros num patamar tão elevado. Com juros prefixados, qualquer elevação da taxa básica do Banco Central reduzirá o valor dos ativos do sistema bancário e a riqueza financeira, com contração maior no crédito bancário que, associado ao maior efeito riqueza, desencadearão uma cadeia de reações com fortes impactos contorcionistas sobre a demanda agregada. O setor financeiro passará a detestar juros elevados! Assim, é preciso fazer uma faxina completa eliminando todos os entulhos do período de hiperinflação.

Num regime de metas, o indicador de inflação que deve orientar a política monetária não pode ser o índice convencional de inflação, tal como o IPCA. Estes índices refletem componentes transitórios, enquanto o Banco Central deverá orientar-se pelos componentes persistentes, particularmente determinados pela demanda sobre a qual seu instrumento atua. Além disso, como existe uma defasagem de muitos meses entre a tomada de decisão de elevar os juros e a sua repercussão sobre os preços, o Banco Central tem que ter um modelo de previsão acurado de inflação futura, para os próximos dois anos pelo menos. Não é correto orientar a política monetária pela inflação passada capturada pelos índices convencionais de preços, fixando metas para o ano calendário, quando sua decisão tem efeitos sobre o futuro, não respeitando o calendário. Menos aceitável ainda é o fato de a sistemática atual de reação do Banco Central ser prisioneira das expectativas de inflação futura dos bancos privados, pois gera uma promiscuidade perigosa.

Com os problemas e ineficácias acima mencionados, além de muitos outros dos quais não dá para tratar neste espaço, a taxa de câmbio acaba sendo o mecanismo de transmissão mais relevante da atual política de metas. E aqui o mínimo a ser feito é corrigir a resposta assimétrica do Banco Central. Se este reage à depreciação da taxa de câmbio, deve também reagir simetricamente à apreciação, atuando de forma neutra, já que ele não fixou nenhuma meta de taxa de câmbio. Ou temos que rever e explicitar a meta de câmbio. Tomando-se o período de câmbio flexível, observa-se que o Banco Central sempre respondeu energicamente quando a taxa de câmbio se depreciou, pois sabemos que isto aumenta a taxa de inflação. A mesma reação não se verifica quando a taxa de câmbio se aprecia, gerando com isso um viés no sentido da persistente apreciação com consequências desastrosas no médio e longo prazo para o crescimento e equilíbrio externo. A eficácia da nossa política de metas depende muito da apreciação cambial.

Para finalizar, é elogiável que o novo presidente do Banco Central tenha tido a coragem de abrir a discussão sobre a atual política de metas de inflação, pois há muito a ser aperfeiçoado.

Yoshiaki Nakano , ex-secretário da Fazenda do governo Mário Covas (SP), professor e diretor da Escola de Economia de São Paulo da FGV/EESP, escreve toda segunda terça-feira do mês.