Título: Pequenos municípios encolhem em São Paulo
Autor: Watanabe, Marta
Fonte: Valor Econômico, 11/01/2011, Especial, p. A12

"Tião, Coqueiro está diminuindo", grita, da varanda, a artesã Fátima Torneli ao marido, que está na cozinha. Depois, com amplo sorriso no rosto, vira para a reportagem e diz: "E vai diminuir mais ainda".

O destino anunciado por Fátima vem carregado por argumentos que fazem eco pela população de Cássia dos Coqueiros, município do interior paulista que, de acordo com o Censo 2010, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), teve a população reduzida de 2.871 para 2.617 habitantes nos últimos dez anos. "Coqueiro", como abrevia Fátima, segue tendência inversa à do país e do Estado. Nos últimos dez anos, a população brasileira cresceu 12,3% e a de São Paulo, 11,4%. A de Coqueiros caiu 9%. Em São Paulo, 26 micromunicípios com menos de 3 mil habitantes em 2000 perderam população em dez anos.

Fátima mora num terreno da zona rural, onde as galinhas e a cachorra correm soltas pelo quintal verde que circunda a casa. Se algo não mudar no município que adotou há cerca de 12 anos, porém, ela também deve engrossar a população que tem deixado o município em busca de lugares com uma economia mais dinâmica.

Nascida em Jaborandi, outra cidade do interior paulista, ela conta que mudou-se para Cássia dos Coqueiros assim que se casou. O marido, Tião, é filho da cidade e possui uma oficina mecânica na zona urbana do município. Da oficina sempre saiu o sustento do casal e dos dois filhos.

"No começo, a oficina dava bem, mas há cinco ou seis anos veio piorando. Hoje, dá só para tirar para comer e para pagar as contas", diz Fátima. Ela explica que o movimento da oficina caiu porque as pessoas foram embora da cidade e os que ficaram não possuem renda suficiente para ter um veículo e fazer a manutenção. "Chega o fim do ano e muita gente passa fome porque não consegue trabalho."

Nem mesmo os tapetes de barbante que Fátima tece em casa têm consumidores na cidade. "Aqui não tem quem compre essas coisas", diz. Os tapetes são vendidos em Varginha, Minas Gerais, ou, às vezes, em Ribeirão Preto.

Fátima conta que a mecanização das plantações da braquiária, a semente de capim que domina a zona rural do município, tornou ainda menor o já limitado mercado de trabalho. "Antes, aqui na frente vinham 30 trabalhadores para plantar braquiária. Com as máquinas, agora, quatro ou cinco já dão conta de tudo", diz ela, apontando, da sua varanda, uma área de dois alqueires.

Embora não dependa diretamente das plantações, Fátima acabou sofrendo as repercussões da mudança. Ela conta que sua casa foi assaltada pela quarta vez há pouco tempo e, por isso, decidiu que, em breve, vai deixar a zona rural para morar no centro. A ida para a zona urbana de Coqueiros representa, para Fátima, uma etapa de transição antes de uma partida iminente. "Se a situação não melhorar até o ano que vem, vamos para outra cidade."

"Ninguém vem para Cássia dos Coqueiros. Nós não temos nem linhas comerciais de ônibus para a cidade"

O prefeito do município, Antonio Carlos da Silva (PSDB), diz que a evasão da cidade é resultado da saída dos jovens que buscam ensino superior e, com maior qualificação, encontram mercado de trabalho somente em cidades próximas, como Ribeirão Preto e, um pouco mais distante, Campinas. A mão de obra local é atraída até mesmo por Cajuru, município a cerca de 20 quilômetros de Cássia dos Coqueiros.

Cajuru conta com 23.378 habitantes, segundo o Censo. Mesmo considerada pequena, é dez vezes maior que Coqueiros e vem crescendo acima da média do Estado e do país. Nos últimos dez anos, o número de habitantes cresceu 12,5%. Em Cajuru, diz Silva, há indústrias do setor de autopeças e alimentos, enquanto as ocupações em Coqueiros limitam-se à zona rural, ao comércio e à prefeitura, que é o maior empregador do município, com 250 funcionários.

A evasão de população não é um problema apenas em Cássia dos Coqueiros. O município é apenas um entre as 1.520 cidades do país que sofreram redução do número de habitantes nos últimos dez anos. Desse total, 88 são paulistas.

Santana da Ponte Pensa, outro município do interior paulista, também viu a população cair de 1.894 habitantes, em 2000, para 1.641 em 2010. Segundo Lourenço Quiareto Valentim, assessor do prefeito, as principais atividades na cidade são a plantação de laranja e o gado leiteiro. De forma semelhante a Coqueiros, Santana da Ponte Pensa não abriga indústrias e o maior empregador é a prefeitura, com 139 funcionários.

Os jovens costumam perder logo o vínculo com a cidade ao estudar em municípios como Santa Fé do Sul, Jales e Fernandópolis. Alguns moram em Santana e trabalham nas outras cidades. Os mais qualificados migram para mais longe, diz Valentim. Os principais destinos são São José do Rio Preto, Campinas e Americana. As duas últimas também são as preferidas de quem sai de Nova Canaã Paulista em busca de uma economia mais dinâmica, diz Osmairo Venuto de Almeida, assessor do prefeito da cidade. Nova Canaã Paulista tem, de acordo com o Censo de 2010, 2.114 habitantes, o que significa redução de 15% em relação ao registrado em 2000.

Dados do Censo mostram que a redução de população das pequenas cidades vem acompanhada de um crescimento mais concentrado nas médias. Os municípios com número de habitantes entre 100 mil e 2 milhões aumentaram a participação na população total do país. Antes, absorviam 36,1% da população brasileira; e agora já estão com uma fatia de 40,3%.

Americana, São José do Rio Preto e Ribeirão Preto, que estão dentro da faixa de cidades consideradas intermediárias, tiveram crescimento acima dos 12,3% da média brasileira. A população de Americana cresceu 15,4% nos últimos dez anos. O Censo mostra que a perda de participação aconteceu em municípios muito pequenos e muito grandes.

A população dos municípios maiores, com mais de 2 milhões de habitantes, cresceu, mas em ritmo menor que a média do país. O número total de habitantes dessas cidades cresceu 9,8%. Já os municípios pequenos, de até 10 mil habitantes - como Cássia dos Coqueiros, Santana da Ponte Pensa e Nova Canaã Paulista -, perderam 6,5% da população na década passada.

Com a migração de jovens com maior escolaridade para as cidades médias, sobra pouca mão de obra qualificada nos pequenos municípios. A comerciante Gislene Angela Furquim Lunardello mantém em Cássia dos Coqueiros um supermercado e uma loja anexa, onde vende um pouco de tudo, desde fertilizantes até material de construção. Nascida na cidade, conta que é difícil encontrar pessoal preparado para trabalhar no comércio. Os candidatos, segundo ela, têm dificuldade para entender regras simples e fazer contas.

Com pouco poder aquisitivo, a população local, conta Gislene, compra apenas produtos básicos e alimentos. Seu comércio tem se sustentado, explica, porque as vendas nos últimos anos estão crescendo para proprietários de casas de campo e moradias de fim de semana. Para esse público ela vende produtos mais sofisticados, como enlatados e embutidos.

A cidade, diz, oferece poucas oportunidades e Gislene não parece acreditar em grande mudança. Para as duas filhas, que hoje têm 16 e 12 anos de idade, ela só enxerga futuro fora do município. Elas já estudam em Cajuru, "porque lá tem escolas particulares". Em Coqueiros, há apenas o ensino fundamental do município e o nível médio do governo estadual.

O serralheiro Vagner Aparecido de Pontes, que é vereador em Cássia dos Coqueiros, tem uma visão diferente. Ele acredita que será capaz de, no futuro, manter sua filha e seu filho por perto. Atualmente, ela tem dez anos e ele, sete. Os dois cursam ensino fundamental na cidade. Ele está animado, porque as encomendas de portões, grades e móveis de aço a sua serralheria vêm aumentando. A produção das peças ganhará em breve um galpão maior, já em construção. Suas vendas, porém, não são destinadas ao próprio município.

Os principais pedidos que recebe, conta Pontes, vêm de Cajuru e Ribeirão Preto, municípios que cresceram em população nos últimos dez anos. Sua expectativa é que as cidades ao redor continuem evoluindo economicamente. "Se der certo, quero que meus filhos ajudem nos negócios da empresa." Ele diz não pensar em deslocar o negócio para outro local. Para o serralheiro, Coqueiros é a cidade que o adotou. "Nasci em Araraquara e cheguei aqui logo que me tornei maior, com a roupa do corpo."

A possibilidade de morar na cidade e não depender do consumo ou do mercado de trabalho local também foi o que viabilizou a fixação de Fernando José de Melo. Nascido em São Paulo, sua ligação com Coqueiros vem da mãe, uma filha da cidade que mantém um pequeno supermercado perto da praça onde fica a igreja matriz do município.

Formado em odontologia pela Universidade de São Paulo (USP), Melo mudou-se para Coqueiros quando passou no concurso do município para dentistas. Ele explica que trabalha 20 horas semanais para a prefeitura, empregador que lhe garante uma renda fixa. Fora isso, faz pequenas viagens para municípios como Cravinhos, Porto Ferreira e Pirassununga, onde presta serviços de ortodontia para complementar a renda. Ele considera o ambiente sossegado da cidade propício para criar seus dois filhos e diz não pensar em deixara cidade. Ao menos não imediatamente. O que pesa é a mãe, uma viúva que, diz, precisa de sua presença por perto.

Por enquanto, porém, laços afetivos com a cidade como os do dentista Melo e o do serralheiro Pontes não têm prevalecido sobre a população que sente necessidade de buscar uma economia mais dinâmica em outros locais.

Nos planos de curto prazo, o prefeito Antonio Carlos da Silva cita apenas a criação de cursos técnicos de nível médio na cidade. Eles seriam ministrados pelo Estado em salas da mesma escola da cidade em que já há o ensino médio regular. Não há perspectivas próximas para instalação de indústrias, o que poderia ajudar, segundo moradores, a trazer maior movimento para o município.

"Ninguém vem para cá. Nós não temos nem linhas comerciais de ônibus para a cidade. Chegamos a ter, mas foi extinta por falta de movimento", conta Margarete Campos, comerciante. Atualmente, um ônibus da prefeitura leva, em horários pré-definidos, os moradores da cidade até Cajuru. "As pessoas vão porque é de graça. Se fosse para pagar, elas não teriam dinheiro", diz Margarete, que tinha uma loja de confecções, mas fechou, porque os moradores têm comprado roupas em outros municípios. Atualmente ela arrisca uma locadora de filmes, mas o movimento também está fraco.

Segundo o prefeito, a zona rural era sustentada principalmente pela braquiária. Com a queda de produção, porém, há culturas nascentes de café e cana-de-açúcar. "Mas o café está no começo. Tanto que os pés são bem pequenos. Há pouca produção. E a cana já vem mecanizada. Vem uma kombi com meia dúzia de homens para colher e pronto. Não dá serviço para todos os que precisam", diz a artesã Fátima, sem grandes perspectivas de mudança no atual cenário do município.

Uma mudança de rumo, ou a falta dela, certamente será detectada no Censo de 2020.